Rubens Pileggi Sá
De Londrina
Especial para a Folha2
O conceito de cultura é muito vasto. Sua definição abrange significados em áreas bastante distintas como agrícola, médica, esportiva, linguística e propriamente a cultural, quanto à aquisição de conhecimentos, costumes e valores materiais ou espirituais - cura, culto, cultivo, cultura, que é a marca da nossa humanização, do nosso saber.
A palavra cultura também é sinônimo de status, carregada de um certo ar esnobe, em determinadas situações. Quando se diz que alguém é culto, que um país tem cultura, essa definição pode trazer junto uma distinção entre pobreza e riqueza, particularmente em relação aos modos de produção e consumo do capitalismo, colocando de um lado aquele que sabe idiomas, que conhece países, restaurantes, galerias e salas de concerto, daquele que nem mesmo foi a um supermercado na vida. Desconsidera a diversidade, as singularidades étnicas, tribais e nacionais por uma visão eurocêntrica de cultura. É preciso entender que tanto Frank Sinatra quanto Clementina de Jesus, tanto a biocibernética quanto aquela benzedeira com seus chás e ervas, são frutos de longo amadurecimento da humanidade.
Outra questão é ver a cultura ligada à arte. E a arte ligada aos espaços delimitados dos museus, galerias, salas de concerto, teatro, cinema ou à TV por exemplo. Como se a arte assumisse o papel de liturgia e esses locais fossem a igreja da cultura. Sair dessas instituições é como se voltássemos à barbárie. A rua, a infra-estrutura urbana, o meio-ambiente, são lugares disponibilizados a todos, mas não nos sentimos responsáveis pela manutenção e conservação de nada, num raciocínio generalizado de que o que é de todos não é de ninguém. O lixo jogado fora, também é o lixo cultural produzido para o consumo das massas que vão perdendo seu acesso às ruas, sua infra-estrutura urbana, seu meio-ambiente, sua educação.
Essa talvez tenha sido a forma mais eficiente encontrada pela ditadura, que já tinha cumprido seu papel na repressão política, para alojar-se justamente nos mecanismos sutis da cultura. A censura agora é interna, em nome do livre mercado. Nessa época de globalização comercial, as informações devem se diluir para atingir o consumidor onde quer que ele esteja. Nosso homem culto e nossa diversidade cultural são explorados agora pela mesma empresa que anuncia na programação dos enlatados, ou dos nacionalizados de mau gosto.
O papel do educador, do artista, dos formadores e dos informadores de opinião responsáveis, deve ser o de desarmar, sempre que possível, essa situação de controle, oferecendo uma visão reflexiva, crítica e criativa, que alimente e enriqueça os valores de cidadania e participação, que é a única forma de sustentar a cultura.
Hoje, excepcionalmente, publicamos a coluna ‘‘Alfabeto Visual’’ que sai aos sábados neste caderno.