São Paulo, 20 (AE) - "Violência Gratuita" (Funny Games), que agora sai em DVD, merece uma revisão. A produção austríaca do alemão Michael Haneke produziu reações contrárias quando lançada há dois anos. Houve quem o amasse, por seu caráter perturbador. Houve também quem o odiasse, pelo tratamento algo cínico de uma situação-limite. Aliás, o próprio título em português indica uma opção ideológica de quem o escolheu - em si, já é um comentário do filme, e de certa forma atenua o seu conteúdo, porque o condena.
A intenção de Haneke parece ser mesmo discutir a violência no mundo contemporâneo. Mas não está no seu horizonte de análise dizer se ela é gratuita ou não. A situação imaginada por ele é das mais estranhas. Há um casal e seu filho pequeno que se isolam em uma casa à beira de um lago durante as férias. Chega um rapaz e se diz morador da casa ao lado. Pede alguns ovos emprestados para fazer um omelete. Desastrado, deixa os ovos cair no chão. Pede outros, a mulher recusa e o incidente dá início a um jogo de equívocos, violento e mortal.
O rapaz não está sozinho. Ele e um parceiro irão sequestrar a família, atormentá-la e submetê-la à violência mais abjeta. O que chama a atenção é a maneira "objetiva" como tudo é mostrado. Verdade, as cenas mais cruas são apenas deduzidas pelo espectador, porque ocorrem fora do campo de visão. Talvez esse uso do off seja o que o filme tem de mais perturbador, porque deixa por conta da imaginação de cada um reconstruir o que de fato está acontecendo. No mais, as cenas são filmadas com frieza, como se registradas por um entomologista, que vê o mundo ínfimo dos insetos de cima, de um ponto de vista neutro.
Nesse tipo de filme, o espectador viciado no cinema norte-americano espera algum tipo de catarse. É comum as vítimas serem atormentadas até quase o fim da história quando então se dá a reviravolta e os maus são punidos. Aqui não há esse tipo de alívio. Quando a vingaça dos justos se esboça, logo fica claro que se trata de uma armadilha para frustrar mais uma vez o espectador. Por exemplo, no momento em que uma das vítimas consegue inverter a situação, o filme é "rebobinado", como num videocassete, e tudo volta ao que era antes.
Esse distanciamento embaralha os limites entre "ficção" e "realidade". Tudo entre aspas, claro, porque qualquer pessoa que entra num cinema sabe distinguir o real da representação. Mas, ao mesmo tempo, quer ser "enganada". Ou seja, exercer seu sagrado direito de suspensão da descrença. Quer acreditar no que vê na tela. Paga por isso. E é exatamente o que Haneke lhe nega. Desfaz o fascínio para - talvez - induzir a reflexão. Cabe a quem assiste decidir se consegue atingir esse objetivo ou não. De qualquer forma, não se trata de um thriller convencional. (L.Z.O.) Serviço - "Violência Gratuita". áustria, 1997. Dir. de Michael Haneke, com Susanne Lothar. Cult