Cruzamento de genialidades
PUBLICAÇÃO
sábado, 30 de dezembro de 2017
Magaléa Mazziotti<br>Reportagem Local

As lentes do olhar atento e inquieto do fotógrafo açoriano Orlando Azevedo, radicado no Paraná há mais de 50 anos, não só tingem de luz o inventário de sua busca obstinada por "identidade e verdade" de um Estado e um País dos quais ele não consegue se desvencilhar, mas também resgata, preserva e dá visibilidade à genialidade alheia. Foi movido por essa generosa obstinação que, atualmente, ele assina a curadoria e o livro sobre o acervo do fotógrafo Augusto Weiss, que retratou a chegada às terras paranaenses dos imigrantes italianos, poloneses e ucranianos a partir de 1890. Em 1994, ele também organizou a emblemática exposição "A Revolta", com mais de um milhão de visitantes em um ano, na qual as pessoas puderam ter acesso às obras do artista e amigo Franz Krajcberg, que morreu no mês passado, aos 96 anos, no Rio de Janeiro (RJ).
"A obra dele era um constante diálogo contra o holocausto da natureza e do próprio ser humano, por isso chamou-se 'A Revolta' ", recorda. Orlando conta que Krajcberg, após ter a família dizimada na 2ª Guerra, veio se instalar no Paraná, na região da Fazenda de Monte Alegre, em Telêmaco Borba, mas deixou o Estado por se deparar com outro holocausto. "O Paraná era uma nuvem cinza de fumaça, onde se queimavam impiedosamente as florestas. Krajceberg resolve ir embora porque saiu de um holocausto e entrou em outro no Paraná, onde se queimavam as florestas impunemente, o que acontece até hoje, no Brasil", constata.
Embora a relação de Krajceberg com o Paraná seja de sentimentos antagônicos, o fotógrafo aponta o ciclo paranaense do artista como um dos mais marcantes. "Ele ainda não tinha essa definição de talento criativo, no qual se notabilizou por usar árvores carbonizadas. Ressuscitava árvores mortas. Não eram meramente troncos. Krajceberg era um gênio, desde o pigmento natural que usava nas peças, à reconstrução dessas árvores", atesta. Na visão de Azevedo, mais do que redenção de ser herói em um dos holocaustos, o trabalho do artista judeu é um grito. "Em um dos livros ele usou a tela do 'O Grito' na capa. As árvores gritam, são tentáculos no ar", conta.
Para Azevedo, o paralelo entre o Krajceberg e o Weiss "é muito acentuado". "O Weiss veio contratado, com uns 20 e poucos anos, pelos imigrantes, para mandar fotos para a família. A foto entre outras coisas cumpria a função do registro de avisar as família que ficaram, que eles estavam bem no Brasil. Só que junto desse registro, também havia o impacto da ação dos donos da terra, na Mata Atlântica", informa. "O acervo de Weiss sobre a chegada dos novos imigrantes na nova terra e na nova pátria veio acompanhado de imagens das derrubadas das araucárias e da mata negra, formada por araucárias gigantes, centenárias. Para quem busca a identidade do Paraná, é o acervo mais importante do Sul do Brasil", comenta. Não por acaso, Azevedo recorda que quando Krajceberg resolveu sair do Paraná para morar em uma área intocada de Mata Atlântica em Nova Viçosa, no sul da Bahia, ele chorava. "É metáfora e não é metáfora, uma porque a fumaça faz chorar mesmo, lacrimeja, e outra chorava de raiva. De ver o quanto o ser humano é imbecil", sentencia.

BACANAL DO BANAL
O resgate do acervo de Weiss, com três mil chapas de vidro, para Azevedo também segue um caminho na contramão de hoje, quando não se imprime mais foto. "A fotografia virou a marcha fúnebre do ego". "Conheci o acervo quando era Foto Progresso. Queria comprar porque era chapa de vidro, algo muito difícil, pira de fotógrafo, nem sabia que tinha toda essa história".
"No fundo o que eu busco e sempre busquei é a identidade e a verdade. Embora hoje, o que estamos vivendo seja o grande bacanal do banal, tal qual a Bienal de Curitiba, com a China pelo viés econômico", dispara. "Como há toda essa banalização, as pessoas não têm o mínimo critério de saber o que é bom e o que é banal. 90% do Facebook referem-se ao social, mas 10% têm coisas muito interessantes. "Uso o Face como uma catarse minha (fototerapia como ele define em sua rede social) e para ver notícia, que precisa ter uma antena muito ligada porque tem muita informação fake".
Para 2018, o fotógrafo segue em captação, via Lei Rouanet, para o projeto "Mestiço", um livro de retratos do DNA do povo brasileiro captados ao longo de toda a trajetória de registros do fotógrafo do Oiapoque ao Chuí. "Não sou fotógrafo, sou trapezista, sou malabarista, o tempo todo eu atravesso o vazio e o abismo sem saber se vou chegar do lado de lá. Mexe comigo fotografar o outro, esse encontro com o outro é super importante. Não tenho mais ilusões sobre a político, nem a própria cultura. Muitos se acham gênios, mas não estudam".
ACERVO INESTIMÁVEL
Para Azevedo, 2017 foi um desastre. "Eu tive a felicidade na minha vida de ter amigos que são gênios, com quem aprendi. Este ano foi um desastre, pois se foram pessoas preciosas. O Krajceberg é uma lacuna para mim".
Para ele, ainda da "A Revolta", há a lembrança de um momento raro no qual Egberto Gismonti criou uma sinfonia para Krajceberg executada no Museu Metropolitano do bairro curitibano do Portão. Entretanto, o fotógrafo segue inconformado com o tratamento que os gestores deram à doação de 110 esculturas gigantes feitas pelo próprio Krajceberg, obras com mais de três metros de altura, para deixarem o acervo trancado por mais de um ano. "Levei minha máquina, tinham aberto o espaço um dia antes, com escultura dele quebrada, escultura pendurada com fio de nylon, tudo sujo e imundo. Arrumei advogados para constituí-los como advogados do Krajceberg e solicitar as obras para restauro. As obras foram para Nova Viçosa. Curitiba perdeu um patrimônio inestimável. Devo lembrar que cultura são tostões e dão a identidade de um povo".
Serviço
Livro Augusto Weiss fotografias de 1890 1970 - Estúdio Progresso
Preço promocional: R$ 50
Onde comprar: Editora Voar (voar.art.br)
[email protected]
Telefones: (41) 3335-2002 ou 3053-9192
Endereço: Rua Júlia Wanderley, 161.Curitiba - Paraná
Exposição "A. Weiss, pioneiro da fotografia no Paraná"
Período de permanência: até 18/02/2018
Endereço: Casa Romário Martins - Largo Coronel Enéas, 30 Largo da Ordem - São Francisco Curitiba -0 Paraná
Horário: 3ª a 6ª das 9h às 12h 13h às 18h
Sábados, Domingos e Feriados 9h às 14h
Informações: (41) 3321-3226
Entrada: Franca
Incentivo: Caixa Cultural de Curitiba - http://www.caixacultural.com.br/SitePages/unidade-i

