O convidado de hoje da Semana Literária do Sesc, em Londrina, tem dois prêmios Jabuti no currículo. O primeiro foi conquistado já em sua estreia no mercado editorial com a biografia ''Vinicius de Moraes - O Poeta da Paixão'' (1989), enquanto o segundo veio no ano passado com o romance ''Ribamar''.
O carioca José Castello (radicado há quase duas décadas em Curitiba) divide a mesa com o escritor Michel Laub e o jornalista londrinense Cláudio Osti (mediação) para falar sobre o tema ''Eu sou o personagem''. O encontro começa às 19h30 na Sala de Espetáculo do Sesc, com entrada gratuita. Paralelamente ao prestígio como escritor, Castello mantém uma notável respeitabilidade como jornalista cultural à frente de sua coluna no suplemento ''Prosa & Verso'' do jornal O Globo.
Além dos títulos citados, ele escreveu obras como ''Inventário das Sombras'', ''Literatura na Poltrona - Jornalismo literário em tempos instáveis'', ''João Cabral de Melo Neto - O homem sem alma'' e ''Fantasma''. A seguir leia entrevista com o autor.

Seu livro mais recente, ''Ribamar'', foi vencedor na categoria Romance do Prêmio Jabuti. Há quem diga que alguns autores padecem de um certo ''bloqueio criativo'' após a conquista de prêmios importantes. Você foi afetado de alguma forma?
Um ponto positivo é que o prêmio chamou atenção para o livro, que tenderia a desparecer diante dos inúmeros títulos publicados mensalmente no mercado brasileiro. Há muitos lançamentos simultâneos - fala-se, por exemplo, que o grupo Record lança dois livro por dia. É muita coisa. Um outro ponto positivo sobre o prêmio, talvez mais importante que esse aspecto de mercado, é o reconhecimento do trabalho - e o trabalho do escritor é sempre muito solitário. Eu levei quatro anos e meio para entregar o livro. Quando o entreguei, ele estava num ponto de saturação e esgotamento. Eu não conseguia mais vê-lo, é como se tivesse chegado ao fim da travessia do Atlântico. Então foi bom quando uma voz autorizada de fora chegou e disse: fique calmo, você fez um bom trabalho, valeu a pena. Isso nos fortalece como escritor, é bom para a autoestima, dá mais segurança e impulsiona para novos projetos. Por outro lado, o prêmio cria um peso ao aumentar a autoexigência.
Uma das características mais acentuadas de seus livros é a mescla de gêneros, o que os torna um tanto inclassificáveis, não?
Eu não acredito em gêneros. Como definir obras de Henrique Vila-Matas ou de João Gilberto Noll? Depois do século 20 já não é mais possível dizer o que é romance, o que é conto, o que é novela. Autores como James Joyce, Fernando Pessoa, Kafka, Proust, Guimarães Rosa, Clarice Lispector fizeram ''estragos'' na literatura e dificultaram as classificações. E isso é muito bom, não é um defeito. Esse enriquecimento tornou a literatura mais potente, mais complexa.
O escritor Paulo Coelho provocou polêmica recentemente ao declarar que ''Ulisses, de James Joyce, poderia ser resumido num Tweet. Como você recebeu a afirmação - como uma heresia ou como afirmação sensata do autor de ''O Diário de um Mago''?
O Paulo Coelho, como qualquer pessoa, tem todo o direito de pensar e dizer o que pensa. Defendo até o fim esse direito. Agora, eu tenho o direito de não concordar. O direito da liberdade também é o da discordância. E eu achei a declaração uma tolice. Não vou dizer que é uma heresia, porque esse é um conceito religioso e essa questão não é religiosa. A questão é que quando se critica os grandes escritores (e todos são criticáveis), a pessoa precisa sustentar a crítica com bons argumentos, o que não foi o caso. Ele usou apenas um frase de efeito. Mais uma vez, conseguiu chamar a atenção do mundo para si. Ele é um gênio na perspectiva do marketing, não da literatura.
Por que você refuta o rótulo de crítico literário para si?
Embora as pessoa me chamem de crítico literário, eu não me considero. Não fico ofendido, já que me chamam com respeito. Meu desconforto é que a crítica literária é uma atividade especializada, que exige um longo e coerente conjunto de leituras sistemáticas que eu não tive em minha formação. Sou graduado em Jornalismo e fiz pós em Comunicação. Nunca estudei teoria literária, não tenha essa competência. O que faço é crônica literária, o que não deve ser confundido com a crônica no sentido em que foi criada por Rubem Braga, Paulo Mendes de Campos e outros autores. Falo no sentido de crônica de viagem. Vou fazer uma analogia: Estive na Alemanha recentemente e, ao voltar, escrevo um relato contando minhas experiências, minhas conversas, minhas impressões e reflexões. Tenho essa mesma relação com os livros. Procuro ler de forma desarmada (não digo de forma pura porque, claro, sou contaminado pelas minhas leituras). Mas faço isso como um leitor comum, que não lê para interpretar, dar veredictos ou aplicar uma teoria. Depois escrevo contando minha aventura, minha viagem com os livros.
Que avaliação faz da crítica literária no Brasil e dos blogs dedicados ao segmento?
O Brasil tem uma excelente crítica literária na universidade, de prestígio internacional inclusive. Há críticos de várias gerações, todos muito competentes. Tenho grande respeito por nomes como Leyla Perrone Moisés, Silviano Santiago, Manuel da Costa Pinto, Flora Sussekind e Beatriz Rezende. O que falta é uma aproximação maior deles com o grande público. Muitos ficam isolados nas universidades escrevendo para revistas acadêmicas especializadas. Acho que deveriam se arriscar mais e escrever sobre a produção contemporânea para veículos mais acessíveis.
Mas há espaço na grande imprensa?
É pequeno, é verdade. Escrevo no suplemento ''Prosa & Verso'', do jornal O Globo, que é um dos poucos que ainda sobrevivem. A internet, por sua vez, é um saco sem fundo que não damos conta. Tem de tudo para o bem e para o mal. É um oceano profundo. É impossível acompanhar tudo. Se eu me dedicasse a site e blogs, não teria tempo para fazer mais nada. Leio apenas quando preciso pesquisar sobre determinado autor. Temos, assim, a universidade que é especializada e estreita demais e a internet que é larga demais com seu vale tudo. Os dois ambientes me incomodam. Acho que os cadernos culturais dos jornais oferecem esse meio-termo.
Em que está trabalhando atualmente?
Estou terminando um longo ensaio para a Companhia das Letras, baseado em minhas leituras do romance ''Robinson Crusoé'', de Daniel Defoe, que foi o primeiro que li, aos 9 anos. Misturo minha leitura atual da obra com as recordações da leitura que fiz quando criança. Também estou rascunhando meu terceiro romance, mas por enquanto estou na fase de tomar notas.