Reconhecido por uma trajetória excepcional, o cirurgião cardiovascular Francisco Gregori Júnior apresenta aos leitores seu mais recente livro, "Com o Coração na Mão", da Editora Ibis Libris, 2024, 110 páginas, prefácio do advogado João Gomes.

A obra, que não está à venda, reúne sete experiências profissionais tão desafiantes como instigantes - para todas as áreas de atuação - dado o esmero do cirurgião, em cada uma delas.

Na ativa, aos 76 anos, ele realiza cirurgias todos os dias, mas conseguiu uma brecha para receber a reportagem da Folha de Londrina na casa dele, juntamente com a esposa, Thaysa, a quem dedica o último livro.

Seus livros estão dispostos em uma mesa, há diversos títulos que comprovam, em volumes, sua dedicação à literatura.

Com 53 anos de carreira, formou-se em 1971, pela Escola Paulista de Medicina, a Universidade Federal de São Paulo. Entretanto, seu nome percorreu o mundo quando, em 1998, tornou-se pública a conduta cirúrgica heterodoxa, porém bem sucedida, ao utilizar o popular adesivo instantâneo Super Bonder para a oclusão de um orifício no coração.

Após décadas, o êxito do médico ainda repercute e "Coração Colado" é a primeira das sete situações narradas por Gregori no livro recém-impresso. De maneira objetiva, o autor permite que o leitor sinta-se dentro de um centro cirúrgico, tente imaginar a tensão e também crie as expectativas dos familiares dos pacientes. Há termos técnicos, claro. "Não há como substituir", explica o médico.

A dona do coração colado, a londrinense dona Joana, 66 anos à época da cirurgia, é exemplo do incansável comprometimento do cirurgião para salvar vidas. "Como aceitar a morte de alguém nestas circunstâncias - coração perfeitamente normal, rítmico, forte e tão somente um sangramento localizado e incontrolável?", questiona.

Da oferta da opção à equipe à ideia oriunda de uma lembrança de um fato familiar e a dúvida, "a maldita cola Super Bonder talvez pudesse ser bendita agora", escreve no livro de modo detalhado.

OPERÁRIO DO CORAÇÃO

Se o episódio da Super Bonder o popularizou pelo feito, Gregori transpõe rótulos. Escreveu 66 trabalhos publicados em revistas nacionais e internacionais e 17 capítulos de livros científicos sobre cirurgia cardíaca. É também autor de mais de 200 trabalhos apresentados em congressos nacionais e internacionais e de sete técnicas inéditas em cirurgia de válvulas cardíacas, congênita e de arritmias.

Criador do Anel de Gregori para plásticas da válvula mitral e criador da prótese Braile Gregori para a substituição de cordas tendíneas da válvula mitral, fora agraciado com o prêmio "Operário do Coração", justificadamente.

A tenacidade de sua jornada profissional é fruto de conduta ética e da prática de ações que repudiam a diferenciação de pacientes hipo ou hipersuficientes - o que também o mantém em um um nível de respeito elevado, tal como uma reputação ilibada.

Assim, são mais de 65 mil cirurgias, sendo 90% para pacientes oriundos do SUS (Sistema Único de Saúde). O plano? "Seguir até os 90 anos de idade", alegra-se ao contar que seus familiares costumam chegar aos 100 anos. Mas também lança mão de sabedoria ao afirmar que se notar que não tem mais condições, para.

52 HORAS NA SALA DE CIRURGIA

A inusitada "Cirurgia de 52 horas" também entrou na edição de "Com o Coração na mão". Na ocasião, foram administradas 400 bolsas de sangue e derivados. Descreve que rádios e TVs passaram a transmitir a auspiciosa notícia e, com o colapso dos bancos de sangue de todo o Norte do Paraná, a cirurgia terminou. Senhor Onivaldo, 75 anos, que chegara com lesões hepáticas crônicas, teve a vida salva. "Fui agraciado e não sou um empresário da medicina, nunca procurei o dinheiro e aos que se dedicam à sua especialidade, o dinheiro vem", ensina o médico.

Em "Com o Coração na Mão", ainda estão os relatos das seguintes situações inusitadas: "Coração nas costas", "Coração baleado", "Por muito pouco", "Trauma", A indignação". "Estou me aventurando neste que é meu primeiro livro em forma de prosa", diz.

ANIVERSÁRIO

No dia 10 dezembro, aniversário de Londrina, o médico também celebra nova idade. "Faço 77 este ano", conta. Só para a UEL (Universidade Estadual de Londrina), ele dedicou 33 anos.

A respeito de sua postura ética, reforça: "Nunca aceitei discriminação em termos de oferta de tratamento e ciência em sua plenitude". E acrescenta: "Como cirurgião, sempre tomei posso de minha identidade e de meus pacientes. Nunca admiti que uma paciente fosse rotulado de `SUS´ e quando ouvia `doutor, temos um SUS nas seguintes condições´, reagia. Eu tomava a iniciativa de ir ao local procurar o dito `SUS´ e o tratava pelo nome, sobrenome e dava o exemplo de que assim deve ser", afirma.

Gregori faz planos para o próximo livro, que será sobre a história da vida dele. Embora goste de escrever, pensa: "Se eu nomear alguém vai falar mais do que sou. Se eu for escrever, vou falar menos. Estou entre a cruz e a espada", admite.

CARDIOLOGISTA, ESCRITOR E ROQUEIRO

A arte é muito presente na vida do cirurgião cardiovascular Francisco Gregori Júnior. Além da escrita, ele também fundou uma banda, a “Gregori’s Heart Band” ,e produziu cinco CDs profissionais com 50 músicas originais, registradas na “Biblioteca Nacional” do Rio de Janeiro no período de 2004 a 2010.

"Nos tempos em que a banda estava em atividade, tocamos no Brasil inteiro", recorda o médico que atuava na banda como vocal, baixo elétrico e harmônica. "Ficamos em 1º lugar na rádio, por três meses com a canção Faith", dispara. Bem antes disso, desde os 13 anos o rádio era sua fonte de entretenimento e ouvia uma rádio de Connecticut, nos Estados Unidos. Eu queria ouvir `rock and roll´ e meu pai, a `Voz do Brasil´. O rádio à válvula Zenith era compartilhado entre eles", recorda.

O cirurgião considera que a música tenha um grande valor em sua rotina. "Você prefere ser operado por alguém feliz ou infeliz? Nunca tive problema com minha afirmação. Sempre trabalhei como um louco e minha minha privada nunca atrapalhou minha profissão. Entendi que o sujeito não precisa ser só uma coisa. A música é uma fuga para mim e uma forma de expressão por onde deixa-se de lado a parte pesada da profissão e leva-se à reflexão", expõe.

TEODORO E SAMPAIO

Gregori conta que começou a escrever quando decidiu traduzir, do inglês para o português, uma de suas canções. "Teodoro, da dupla Teodoro e Sampaio, foi quem me fez poeta, ou... alguém que faz poesia", diverte-se. "Sei que ninguém vende poema, isso é pra Drummond."

O médico diz que quem ler seus textos, vai conhecê-lo a fundo. As emoções, por sua vez, são expressões do que somos. Para falar dele, em poucas palavras, lança mão de um pensamento que o traduz e está na obra "Conflitos e Convicções, Frases e Aforismos, Editora Ibis Libris, 2022: "Minhas palavras têm sido fiéis às minhas reflexões, e têm me causado problemas". E complementa que aos 76 anos "estou começando a entender quem eu sou".

Ovo, um de seus poemas no livro "Humanas", Editora Ibis Libris, 2022, faz uma crítica ao aborto. "Eu me considero uma pessoa de mente aberta, mas não abro mão de princípios. Após a concepção, existe um indivíduo".

Entre as lembranças da vida acadêmica do jovem que saiu de Bocaina, interior de São Paulo, e foi para a cidade grande, conta: "A partir de meu segundo ano na faculdade de medicina, meu pai não me deu mais um centavo. Sempre fui bom de português e atuei como revisor da Folha de São Paulo".