Somos assíduos fregueses das mais famosas mostras internacionais de cinema do mundo desde meados do século passado, nenhuma dúvida. Cannes, Veneza, Berlim. A santíssima trindade das imagens. Locarno, Sundance, todas as seleções mais tentadoras e respeitáveis do universo cinema já abriram as portas para abrigar nossos realizadores.

E não é de hoje: em 1962, Cannes garantiu nossa única e dourada Palma de Ouro naquele concurso que é a olimpíada do cinema: “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte. E depois houve a seleção honrosa de outros filmes, dirigidos por notáveis como Glauber Rocha, Cacá Diegues, Nelson Pereira dos Santos, Arnaldo Jabor, Hector Babenco, Ruy Guerra.

O ator e cineasta Anselmo Duarte com a Palma de Ouro que ganhou no Festival de Cannes de 1962 com o filme "O Pagador de Promessas": maior conquista do cinema brasileiro até agora
O ator e cineasta Anselmo Duarte com a Palma de Ouro que ganhou no Festival de Cannes de 1962 com o filme "O Pagador de Promessas": maior conquista do cinema brasileiro até agora | Foto: Acervo UH/Folhapress

Mais recentemente, em 2019, os prêmios em Cannes a “Bacurau”, de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (Prêmio Especial do Juri), e “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, de Karim Aïnouz (melhor filme da mostra Un Certain Regard), são a prova mais visível da presença marcante do cinema brasileiro nos principais festivais do mundo naquele ano: Munique, Locarno, Roterdã, Berlim, Sundance e vários outros.

Em termos de reconhecimento internacional, 2019 já pode ser considerado o melhor ano da produção brasileira desde os tempos do Cinema Novo na década de sessenta, contrastando com a realidade interna do País – a extinção do Ministério da Cultura, a crise fabricada na Ancine, a censura aberta e recorrente em diversas instituições públicas e a cruzada pessoal do ex-presidente Bolsonaro contra o cinema nacional, gerando uma situação de paralisia e incerteza que pretendia matar à mingua um circuito de formação, produção, distribuição e diálogo que foi gradualmente construído e que então começava a produzir seus primeiros frutos notáveis. Mas os bons ventos politicos voltaram a soprar, afastando o risco de aniquilação que ameaçava a frágil vitalidade. de aniquilação.

'AINDA ESTOU AQUI'

Agora foi a vez de Veneza avalizar mais um produto brasileiro desta safra 2024. E com um tema e um título com tudo a ver: o prêmio de migliore sceneggiatura/melhor roteiro foi para “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles. Os premiadosr roteiristas Murilo Hauser e Heitor Lorega agradeceram ao diretor no discurso e dedicaram o prêmio aos personagens e às figuras emblemáticas que eles representam: "Não é só a história de uma família, mas do Brasil. Viva o cinema brasileiro!" destacou Lorega.

Interpretado por Fernanda Torres e Selton Mello, a produção foi muito aplaudida após a exibição oficial em Veneza.

Baseada na biografia de Marcelo Rubens Paiva, a história se passa no Rio de Janeiro, na década de 1970, em plena ditadura militar.

O enredo foca na família Paiva, composta por Rubens (Selton Mello), Eunice (Fernanda Torres) e seus cinco filhos, que vivem em uma casa alugada no bairro carioca do Leblon à praia.

Quando o marido é preso e desaparece, Eunice se vê obrigada a reinventar o rumo e o destino de sua família.

O filme, que acaba de ser bem recebido também no Festival de Toronto, ainda não tem data oficial de lançamento no Brasil; vai estar na mostra de São Paulo e no Festival do Rio, antes do fim do ano.

A mídia especializada da Itália e dos Estados Unidos dedicou amplos espaços favoráveis ao filme de Walter Salles. E tem boas chances de ser o indicado brasileiro no Oscar no dia 2 de março de 2025.

Os roteiristas  de "Ainda Estou Aqui", Murilo Hauser e Heitor Lorega, com o prêmio em Veneza: vitória de um filme que traz uma parte dolorosa da história do Brasil
Os roteiristas de "Ainda Estou Aqui", Murilo Hauser e Heitor Lorega, com o prêmio em Veneza: vitória de um filme que traz uma parte dolorosa da história do Brasil | Foto: Alberto Pizzoli/ AFP