Uma pergunta estava na boca de muita gente na madrugada de ontem, na festa de encerramento da 7 edição do Brazilian Film Festival, no terraço do Townhouse Hotel. Com as luzes de Miami ao fundo, muitos dos convidados do evento - críticos, diretores, atores e atrizes - se perguntavam se o festival consegue mesmo, como pretendem suas organizadoras, ser a vitrine do cinema brasileiro nos EUA. As discussões animadas rivalizavam com a polêmica levantada pelas decisões do júri presidido pela produtora Lucy Barreto. Integrado por ela e quatro integrantes americanos - dois produtores independentes, um distribuidor e o diretor da HBO latina -, o júri deu uma entrevista dizendo o que esperava de um filme estrangeiro e do cinema brasileiro, em particular. Queriam ousadia, criatividade, tudo aquilo que não encontram no ramerrão da produção hollywoodiana, mais preocupada com efeitos especiais do que qualquer outra coisa.
Entre o discurso e a prática do júri algo houve - ou perdeu-se -, porque as escolhas terminaram sendo, digamos, conservadoras. ''O Homem do Ano'', o thriller que José Henrique Fonseca adaptou do livro ''O Matador'', de Patrícia Melo, ganhou os prêmios de melhor filme, diretor e ainda deu a Murilo Benício o prêmio de melhor ator, por sua criação como Máiquel, o assassino de aluguel promovido a homem do ano por sua eficiência na função que executa.
''O Homem do Ano'' é um bom filme, mas a sua talvez excessiva preocupação em ser bem-feito aponta mais para um produto hollywoodiano do que para um policial visceralmente brasileiro, como o próprio júri admitia esperar. O outro grande vencedor na categoria longa foi ''Cristina Quer Casar'', de Luiz Villaça, que venceu os prêmios de melhor roteiro e melhor atriz - para a mulher do diretor, Denise Fraga. Por mais que Cristina tenha certo encanto frágil, é uma sitcom e a escolha do júri reflete um olhar muito comprometido com o gosto conservador do americano médio.
O júri só acertou mesmo no prêmio de melhor fotografia, atribuído a Walter Carvalho, por ''Amarelo Manga''. Você poderá fazer as objeções que quiser ao longa de Cláudio Assis, mas a fotografia de Carvalho é admirável. Encerra de vez a discussão sobre a tal cosmética da fome. O grande fotógrafo é considerado um dos artífices da tendência e os que assim pensam gostam de citar a fotografia de Walter Carvalho para os filmes de Walter Salles, ''Central do Brasil'' e ''Abril Despedaçado''. E aí Carvalho assina fotografias sórdidas como as de ''Madame Satã'', de Karim A‹nouz, e a do filme de Assis. O amarelo do título não é ouro. É mais o mofo e Carvalho põe na tela um universo de outsiders e marginais de forma altamente convincente, sem um mínimo de artifício.
No formato curta, o júri fez a coisa certa, premiando ''No Passo da Véia'', de Jane Malaquias, mas José Roberto Torero terminou celebrando uma dupla vitória: venceu o prêmio do júri para o melhor diretor e o do público para o melhor filme, por ''Morte''. Torero esteve em Miami, mas não subiu ao palco do Lincoln Theatre, perdeu a carteira com dinheiro e todos os documentos. Estava enlouquecido, correndo atrás dos dólares e do passaporte. Quem subiu ao palco, em seu lugar, foi a diretora Betse de Paula, do divertido e simpático ''Celeste e Estrela'', que não ganhou nada. José Henrique Fonseca, sua mulher (e atriz do filme), Cláudia Abreu e Murilo Benício também estiveram aqui, mas já haviam ido embora. Quem subiu ao palco para receber os três troféus Lente de Cristal foi a atriz e relações-públicas, Denise Del Cueto.