Selecionado pelo Programa Municipal de Incentivo à Cultura – Promic - o projeto de preservação da Memória Histórica e Cultural do Cine Villa Rica, localizado no centro de Londrina, é de autoria da produtora cultural Zuila de Oliveira. Já em processo de execução, Oliveira explica que trata-se de uma pesquisa que culminará em uma exposição fotográfica mostrando a trajetória do espaço, sua história e transformações. “Cerca de quatro anos atrás, tive oportunidade de participar de um evento cultural realizado no Vila Rica - já desativado como cinema. Fiz um vídeo expondo minhas sensações de estar naquele espaço após tantos anos e houve muita repercussão. As pessoas relataram experiências vividas no antigo cinema semelhantes às minhas e daí tive a ideia de fazer a pesquisa, pois percebi que essa história deveria ser contada. Imagino a alegria de alguém, que estiver na exposição, se reconhecer em uma foto da década de 1970, na imensa fila do cinema”, imagina.

Paulo Sérgio Micali Junior e Zuila Oliveira: responsáveis por um projeto de pesquisa sobre o cinema, eles querem disparar “gatilhos de memória”
Paulo Sérgio Micali Junior e Zuila Oliveira: responsáveis por um projeto de pesquisa sobre o cinema, eles querem disparar “gatilhos de memória” | Foto: Gustavo Carneiro

Oliveira revela que o cinema era para ela e outras tantas famílias um programa especial. “As pessoas se vestiam com a melhor roupa, o espaço era imensamente prestigiado , mas com as mudanças na economia, cultura e comportamento, o público foi se afastando do cinema de rua. Para nós jovens, por exemplo, era mais cômodo alugar um filme em formato VHS e reunir os amigos em casa", admite.

Responsável pela pesquisa e processamento técnico do projeto de preservação do Cine Villa Rica, o historiador Paulo Sérgio Micali Junior reconhece que as formas de entretenimento mudaram com o tempo e, neste caso, a sociedade irá se beneficiar do resultado da pesquisa. “O Vila Rica começou suas atividades no final de 1968 e, embora sejam poucos os materiais concernentes, vamos organizar um compilado, fazer um recorte, dar margem para ser significativo para quem receber esse espaço e certamente vamos disparar gatilhos de memória.”

Certo da subjetividade presente no material, Micali reconhece o temor de que determinada parte da história esteja morrendo. “Em história, tudo tem a ver com transformação e permanência. Neste caso, temos resquícios do que queremos estudar”, acrescenta.

À frente da pesquisa, Oliveira e Micali pedem apoio da população para colaborar com o conteúdo. “Podem nos enviar fotos e textos, pois sabemos de muitos encontros que começaram no cinema e se transformaram em casamentos e lindas histórias de amor ou amizade, os filmes exibidos na sala do Villa Rica marcaram gerações”, pede. O contato da produtora Zuila de Oliveira é (43) 9 88359880. A exposição fotográfica está programada para março de 2020 e será realizada no Museu Histórico de Londrina.

ESPAÇO REPAGINADO

Rodrigo Fagundes Noceti: “Nossa proposta é criar um espaço-base para o desenvolvimento da cultura, da arte e outros negócios na região central”
Rodrigo Fagundes Noceti: “Nossa proposta é criar um espaço-base para o desenvolvimento da cultura, da arte e outros negócios na região central” | Foto: Ricardo Chicarelli

Gestor da reforma do espaço onde era o cinema, o advogado Rodrigo Fagundes Noceti diz que houve a preocupação, quando adquiriram o imóvel, de não deixar que a história do cinema se perdesse. “Eu cresci naquela galeria, morei a maior parte da minha vida no Centro Comercial e minha mãe tem o escritório lá há muitos anos. Além disso, o filme que assisti em um cinema que mais me marcou foi no Vila Rica, era o filme do Power Rangers. Também me recordo do último filme que assiste lá, que foi “Titanic.” Frequentei demais o lugar durante a minha infância, assim como meus pais também frequentaram. Aquele espaço tem bastante memória afetiva e muito valor emocional para todos nós.”

Ainda segundo Nocetti, os projetos se iniciaram em meados de maio de 2018 e numa área que abrange cerca de 1800 metros quadrados. “Nossa proposta é criar um espaço-base para o desenvolvimento das áreas de cultura, arte e outros negócios na região central. Na prática, e nos próximos anos e fases do projeto, vamos ter duas salas de eventos, uma dessas será um cine-teatro. Além disso, teremos um espaço para que ao menos parte do conteúdo cultural possa ser produzido ali no centro”, explicou.

Esse alinhamento final vem também baseado em estudos como os do Fórum Desenvolve Londrina que existe também para implementar novos projetos na cidade. Em relação à capacidade do novo espaço, adianta: “Por conta de mudanças de novas legislações, como as de acessibilidade, entre outras, a estimativa é de ter uma sala (Vila Rica) para 400 pessoas e outra, a antiga sala Londrina, para 250.”

'VOCÊS NÃO SABEM O QUE PERDERAM'

Alcides Candido Souza, zelador do Condomínio Conjunto Folha de Londrina, trabalhou no antigo cinema como letrista de cartazes, projetista de filmes e gerente
Alcides Candido Souza, zelador do Condomínio Conjunto Folha de Londrina, trabalhou no antigo cinema como letrista de cartazes, projetista de filmes e gerente | Foto: Saulo Ohara

Dava-se o nome de prefixo para aquela música que tocava nos cinemas antes do filme começar: uma das músicas conhecidas era “Sayonara in Concert”, de Paul Mauriat. Para ganhar uma entrada, o menino ajudava na limpeza do Cine Rolândia, que ficava na avenida dos Expedicionários, na cidade vizinha a Londrina. Foi assim que o zelador do Condomínio Conjunto Folha de Londrina, no centro histórico da cidade, Alcides Candido de Souza, 72 anos, começou a bater o ponto no cinema e alimentar sua grande paixão pelos filmes.

De 1959 a 1994, dividiu sua rotina entre a dedicação à família e as tarefas que iam muito além do escurinho do cinema. Souza trabalhou no cine Universo, em Cambé, e em Londrina emprestou o seu talento a praticamente todas as salas: Cine Augusto, Joia, Brasília e Espacial fazem parte da trajetória dele que foi letreiro, ajudante de cartazista, pintor letrista, operador cinematográfico e gerente do Cine Villa Rica, sua última atividade na área.

A voz rouca, de aparente fragilidade deixa de ser o centro das atenções diante das informações precisas e carregadas de emoção do nobre zelador. Souza conhece quem trabalha nas 94 salas do edifício comercial, o que oferece cada uma das 25 lojas e é muito respeitado pela vizinhança. É nessa galeria que acompanha o vaivém de carriolas, engenheiros e curiosos, ávidos por saber no que irão se transformar as antigas salas de cinema, Vila Rica e Londrina. “Muita gente passa e me pergunta que horas vai começar a próxima sessão”, brinca.

O saudosismo, misturado às expectativas, guardam na figura do zelador uma grande referência. Afinal, Souza é parte e essência de um momento cultural rico da região, pois o cinema atraía muitas pessoas e eram poucas as opções de lazer. “Era um tempo maravilhoso”, sorri. “Era o mesmo rolo no Villa Rica e no Ouro Verde, com meia hora de diferença de exibição. Uma correria que você não imagina”. E acrescenta: “As músicas tocadas antes do filme começar se chamavam prefixo. Todo mundo já sabia, se acomodava, era como um código e funcionava perfeitamente, mexendo com as emoções”.

Foi na base do escambo – limpeza versus bilhete - que Souza conseguiu ficar pela primeira vez diante da telona. O filme era “Assim caminha a humanidade” e aos 14 anos já fazia projeções. A vida dentro da salinha certamente daria um grande filme. Protagonista de exibições marcantes, Souza recorda-se que o público de "Titanic" era tão grande que o título ficou sete meses em cartaz. “A mesma pessoa viu seis vezes”. E o bang-bang "Uma longa fila de cruzes" também marcou graças ao número de expectadores. E complementa: “o filme era com o Anthony Steffen”. Ao somar a responsabilidade do trabalho e a paixão pelo cinema, rendeu-se cada vez mais à sétima arte.

Com 1110 lugares, o Villa Rica chegou a acomodar mais de 1300 pessoas, segundo Souza. “Não tinha nem como andar, era gente sentada pelos corredores, no chão mesmo.”

“Sansão e Dalila”, “Ben-Hur”, “O Maior Espetáculo da Terra”, “El Cid”, “Lawrence da Ará

bia”, “Os canhões de San Sebastian”, “A Guerra dos Mundos”, “Taras Bulba” e até o nacional “Os Sete Gatinhos” estão vivos na memória do entrevistado, bem como a interpretação de Sidney Poitier, em "Ao Mestre com Carinho." O pornô “Garganta Profunda" ganhou sessão exclusiva para as mulheres,” conta. Entre tantas personagens e um público que chegava a chorar para não ficar para fora, outras curiosidades: “A pré-estreia de 'Mad Max, a Cúpula do Trovão' foi à meia noite e precisamos fazer a segunda sessão porque a fila dobrou o quarteirão, então fomos até às quatro da manhã”, recorda.

Ele também cita o crítico de cinema da FOLHA Carlos Eduardo Lourenço Jorge para elevar a qualidade do serviço. “Tínhamos o maior cuidado. Ele acompanhava o letreiro até o final e não podia fechar o foco”, lembra. Souza orgulha-se também de ter conhecido pessoalmente Mazzaropi. “Fomos tomar café na padaria Olímpia. Ele era ator, produtor, diretor e tinha um estúdio lá em Taubaté, o PAM Filmes, que significa Produções Amácio Mazzaropi. Fui lá várias vezes e o jeito de andar no cinema era o dele próprio”, ri.