O espétáculo "Céu Branco, Colônia Matadouro" estreia no próximo sábado (5), na Usina Cultural, às 20h. A montagem do Coletivo Semeia Vento tem texto e direção de Luan Valero. Dividido em três planos: amanhã, ontem e hoje, o espetáculo se inspira em antigas e vivas perspectivas de matriz africana e afro-diaspóricas em relação ao tempo, como a dos banto bacongos, em África, e a dos Reinados, no Brasil; nelas, a temporalidade não se dá em linha reta, como na visão euro-ocidental, mas em espiral e nem sempre na mesma direção. Em cena, relações familiares, dramas ambientais e o futuro dentro de uma distopia possível.

A obra de ficção se passa em um futuro distópico onde fica a Colônia, uma área industrial quase abandonada e isolada, numa referência às antigas colônias que abrigavam famílias de pessoas trabalhadoras em fazendas nas primeiras décadas do pós-abolição no Brasil e aos primeiros frigoríficos do país, como o Matadouro no Campo de Santa Cruz (fundado no Rio de Janeiro em 1881) e a Companhia Frigorífica e Pastoril de Barretos (1913).

O projeto nasceu durante a pandemia, a partir da vontade do diretor e dramaturgo Luan Valero que observando a sua própria experiência quis reunir pessoas que já desenvolviam trabalhos na cena teatral londrinense, espalhadas em ações criativas em trabalhos sem uma forte identidade racial. O desejo de Valero era reunir um grupo de artistas autodeclarados negros. “Havia também o intuito de introduzir em um projeto profissional, iniciantes como ex-alunos meus de cursos livres. Eu me perguntava se poderia contar com pessoas negras em todas as funções de uma montagem, se havia mão de obra especializada e o porquê de elas nunca serem a maioria. Das 20 pessoas que o projeto mobilizou, quinze são autodeclaradas negras. Acredito que isso seja de relevância e motivo de reflexão para toda a comunidade artística londrinense”, afirma. A pandemia foi para o dramaturgo, um momento de autoexame como artista e como ser humano. “Foi quando fiz uma revisão dos meus textos escritos até então, o que resultou na publicação de ‘A Pereira da Tia Miséria’ em 2020 e na vontade de trabalhar em um projeto negro. A conjuntura política do país e o crescente número de mortes nos fez questionar nosso papel como artistas. Dentro de mim ecoavam Brecht e Abdias Nascimento e eu queria dividir isso com semelhantes. Assim levantei, junto à Luli Rodrigues, alguns nomes e começamos as reuniões de um grupo de estudos que, quando fosse possível, se encontraria também em sala de ensaio”, conta.

O mote inicial era o aquilombamento. O grupo de estudo cresceu junto com a escrita do texto que daria base à montagem até que encontraram o conceito do “especismo”, que classifica e hierarquiza seres animais com base em suas espécies, num sistema discriminatório anterior ao de raça social e ao de gênero, que privilegia o ser humano como “espécie superior”. Elaborado especialmente para o grupo, o argumento da peça foi selecionado pelo segundo edital Dramaturgias em Processo, do TUSP - Teatro da USP, está em fase de editoração e deve ser publicado pelo TUSP agora, no segundo semestre de 2023.

Por ter como pano de fundo um futuro distópico e hostil, a montagem também toca em questões ambientais. “Ao mesmo tempo em que nascia o grupo de estudos, crescia em mim o mote para um texto onde, pela primeira vez, eu traria algumas questões que me atravessam e com as quais me posiciono no mundo, como o veganismo. Ele não chega a ser o tema da peça, que foca muito mais na relação entre os irmãos Gus e Ulisse e na de ambos com o pai, Ivo. No entanto, o futuro distópico pressupõe uma distância da nossa realidade que pretende potencializar a maneira como enxergamos o agora. A pandemia de COVID-19, a marca dos oito bilhões de pessoas no planeta, o Relógio do Clima, e a crescente demanda por carne e produtos de origem animal, quando é sabido que a pecuária está na base da crise ambiental, foram algumas das inquietações que me fustigaram ao longo da escrita. Assim, em Céu branco, o colapso já aconteceu e a sociedade começa a se desenvolver novamente, mas fadada ao fracasso quando comete os mesmos erros”, explica. Apesar de algumas tecnologias terem se extinguido após a grande catástrofe ambiental a qual o texto faz alusão, outras sobreviveram e são empregadas na exploração de corpos por parte dos mesmos detentores de poder de outrora, aqui representados em Cândi, o dono da Colônia.

O céu branco do título é o que as pessoas enxergam depois desastre global. Gus vive escondido pelo pai, nesse território chamado Colônia, um isolado matadouro, adaptado às novas condições comerciais para atender a cidade. Ivo, o pai, o esconde para poupá-lo do trabalho sem saber que o filho tem o hábito de sair escondido para vagar pela mata, ao redor da Colônia. É numa dessas saídas que Gus encontra o irmão mais velho, Ulisse, que fugiu dali anos atrás e que agora tenta retornar. A relação entre Gus e Ulisse é um mote cativante para o espectador.

* Com assessoria de imprensa.

SERVIÇO:

“Céu Branco, Colônia Matadouro”

Coletivo Semeia Vento

Datas: sábado (5) e domingo (6), às 20h, na Usina Cultural (Av. Duque de Caxias, 4159)

Domingo (13), às 17h e 20h na Usina Cultural

Sábado (19) e domingo (20) no Barracão Tangará (Rua: Augusto Severo, 544, Bairro Aeroporto)

Classificação indicativa: 12 anos

Patrocínio: PROMIC - Programa Municipal de Incentivo à Cultura

Apoio: ASSOMMAR - Associação de Moradores do Jardim Maringá, Vila Usina Cultural e Vila Cultural Barracão Tangará

Ingressos gratuitos devem ser retirados na plataforma Sympla