São Paulo, 14 (AE) - No dia 22 de abril, bem longe das paradas cívicas, cem entre os mais conceituados fotógrafos brasileiros estiveram vasculhando o Brasil. Do coração da Transamazônica à desolação da Praça da Sé, durante 24 horas, os cem fotógrafos buscaram captar uma imagem que desse conta do que é o Brasil 499 anos após a chegada das naus de Cabral.
O resultado foram 61 mil imagens que estão agora sendo editadas em Brasília para um livro comemorativo do 5º centenário do descobrimento, a ser lançado em dezembro, no Palácio do Itamaraty. As coordenadoras do projeto são a fotógrafa Paula Simas e a jornalista Ilara Viotti.
Entre os fotógrafos convidados estavam gente como Walter Firmo, Antônio Ribeiro (que vive em Paris e cobre a guerra na Iugoslávia) e J. Bulcão (veio da prestigiosa agência Gamma de Paris). Os projetos eram os mais variados. Ana Carolina Fernandes esteve dentro de um trem da Central do Brasil, fotografando os ambulantes. Antônio Ribeiro acompanhou um dia na rotina de um dos maiores hospitais brasileiros, o Souza Aguiar, no Rio.
J. Bulcão chegou da Europa e desembarcou no Norte do País, onde pegou um ônibus de passageiros rumo ao que sobrou da Transamazônica. Walter Firmo vasculhou o centro do Rio. Hélio Campos Mello ficou no centro de São Paulo. Cristiano Mascaro radiografou Salvador, a primeira capital brasileira.
Até agora, o projeto captou metade do dinheiro necessário para sua efetivação, com apoio da Fuji, Petrobrás, CSU Card System, AGF Brasil Seguros e a Telebrasília. A seguir, entrevista com Ilara Viotti, uma das coordenadoras da aventura. AE - Como surgiu o projeto e quais são os planos para a edição e o lançamento do livro? Ilara Viotti - O idéia do projeto surgiu em 1994, quando a Paula (Simas, também coordenadora do projeto) participou de um projeto semelhante no Equador. Lá, 38 fotógrafos de diferentes nacionalidades foram convidados a retratar o país, num mesmo dia. Dois anos depois, já de volta ao Brasil, ela pensou em fazer algo semelhante, só que em função da comemoração dos 500 anos. A edição do livro já começou - pela edição das fotos. Até o fim de junho teremos as fotos a serem editadas no livro - entre 200 e 250 imagens. E até o início de julho a elas serão agregadas legendas, que situarão o personagem e a cena fotografada. O livro deverá estar pronto para entrar em gráfica no começo de setembro. Quanto ao lançamento do livro, já está agendado para a primeira quinzena de dezembro no Palácio do Itamaraty, em Brasília, com uma exposição. AE - Por que houve a necessidade de as fotos serem feitas simultaneamente, em diversos pontos do País? Ilara - Não houve propriamente uma necessidade. A idéia de vários profissionais fotografando nas mesmas 24 horas não é inédita, vários livros já foram produzidos com essa mesma idéia, como, por exemplo, o Pepsi Day, um livro editado pela Pepsi-Cola
e o 24 Hours in Ciberspace. Houve também uma razão prática: um dia de produção é menos oneroso do que dois ou três ou uma semana. AE - Como foi feita a escolha dos fotógrafos para o projeto? Ilara - A lista dos profissionais selecionados - cem - é, na verdade, muito menor que o universo de excelentes fotógrafos brasileiros. Nós tínhamos uma fonte de recursos muito definida e era preciso partir de um número que fosse compatível com os custos do projeto. Para chegar à lista final, vários fotógrafos em atuação foram consultados, no Rio, em São Paulo, em Brasília e em outros Estados. AE - Qual é o custo total do projeto e como está sendo feita a captação dos recursos? Ilara - O custo total do projeto é de R$ 1 milhão. Até aqui foram gastos cerca de R$ 500 mil, com montagem de uma pequena estrutura, produção de pautas, despesas de viagem e de produção para os fotógrafos, pagamento de direitos autorais, etc. A partir de agora começamos nova fase de captação de recursos para garantir a edição e impressão do livro. A captação está sendo feita a partir do contato com empresas que se dispõem a conhecer o projeto. A cada uma são oferecidas opções de patrocínio, com contrapartidas específicas para o volume de recursos investidos. AE - Dos relatos dos fotógrafos, qual foi o que trouxe a aventura mais inesperada? Ilara - Muitas imagens só foram capturadas à custa de grandes aventuras. Pedro Martinelli, consagrado profissional do fotojornalismo, empreendeu uma viagem semelhante à de Fitzcarraldo para chegar a uma remota comunidade na fronteira com a Colômbia, onde documentou a dura rotina de vida da mulher na região. Numa "voadeira" - pequena canoa movida a motor -, Martinelli passou três dias, tendo de, algumas vezes, retirar o barco do rio e carregá-lo nos ombros para outros trechos navegáveis dos rios amazônicos. Martinelli planejou sua viagem durante dois meses. Ele precisou deixar tambores de gasolina em locais estratégicos para garantir a sua volta a São Gabriel da Cachoeira, o último ponto para a compra de combustível, de onde partira uma semana antes. Outro que viveu uma aventura foi Antônio Ribeiro, que reside em Paris, onde trabalha na Agência Gamma. Ele saiu da região de Kosovo para o Rio para documentar 24 horas de um dos maiores hospitais brasileiros, o Souza Aguiar. Antônio Ribeiro disse que se sentiu em outra guerra. A imagem que mais o emocionou foi presenciar o esforço de um casal de acidentados no trânsito para se darem as mãos, apesar dos ferimentos e de terem sido colocados em macas separadas. O fotógrafo Américo Vermelho do Rio acompanhou, em União, no Piauí
um grupo de vaqueiros que formou um coral. Eles cantam acompanhados de uma orquestra de sanfonas, a Orquestra Sanfônica
e costumam marcar o aboio (o transporte do gado na lida diária) cantando. O Américo Vermelho, confundido com um jornalista da Rede Globo fazendo matéria sobre o Brasil 500 Anos da emissora, passou o dia driblando a cidade inteira para conseguir fazer seu trabalho. Até uma vaquejada foi improvisada para ele. AE - Qual era a orientação geral, o princípio filosófico do projeto? Ilara - Basicamente capturar imagens do cotidiano do brasileiro 500 anos depois do descobrimento. Depois de cinco séculos valia a pena documentar de norte a sul como o brasileiro vive, trabalha, passa seus momentos de lazer e mostrar sua expressão cultural.