Na quinta-feira, pouco depois da meia-noite, soube que a jornalista Teresa Urban havia falecido. Se eu fizesse uma lista de pessoas inesquecíveis, Teresa estaria nela. Quando chegou à Folha de Londrina, em 2000, dispensou a sala fechada por vidros que separava a redação da chefia, pediu uma mesa, cadeira e sentou-se atrás de mim, de frente para toda a redação que comandaria por dois anos. Só eu ficava de costas porque minha mesa era a última e ela foi logo sentar atrás.
Um dia perguntei: "Você se sentou aí, não se incomoda por eu ficar de costas?" Ela respondeu: "Contanto que não me dê as costas de verdade." Entendi. Trabalho e parceria estavam muito além de ficar de frente ou de costas. Teresa vinha de Curitiba para Londrina, para chefiar uma redação de pés-vermelhos. Mas se isso fazia alguma diferença para alguém, para ela não fazia, era cidadã do mundo.
Eu a conhecia aos poucos, logo soube que o ambientalismo era sua bandeira, havia criado a Rede Verde em Curitiba para divulgar políticas do segmento, incluindo as ONGs, através de programas de rádio. Depois fiquei sabendo que fora militante da esquerda nos anos da ditadura e que, reincidente, chegou a ser presa três vezes. Mas nunca desistiu de suas ideias e se divertia com o fato de ser olhada como comunista. Numa entrevista em 2011, comentou uma de suas prisões com certo humor: "Os policiais cercaram todo o quarteirão da minha casa (a frente da Praça 29 de Março) e levaram minha mãe achando que era eu. Sempre disse que foi um elogio, mas ela não aceitava. Corri atrás e mostrei o engano."
Suas convicções eram grandes e quando achava que nos preocupávamos com veleidades, sem justificativas que envolvessem uma causa pela qual valesse a pena, disparava sem dó: "Para que se limitar a essa pobreza!"
Teresa pensava grande e queria um mundo maior. Deixou suas ideias em livros: mais de 20, a maioria relatos sobre as vivências políticas, ambientalistas e pessoais. Sua personalidade misturava as três coisas e era difícil separar a pessoa da ativista. Acreditava no que vivia. Minha única decepção, numa das reestruturações do jornal, foi ela ter designado a contracapa colorida da Folha 2 para a coluna social. Eu brigava pelo espaço da cultura e, com todo respeito aos amigos colunistas, não concordava com aquilo. Acho que nem ela. Vivemos as contradições das mudanças querendo fazer jornalismo de verdade e acho que fizemos.
Com sua morte afloram lembranças de profissionalismo, ética e um vício que era também sua marca registrada: fumar cigarrilhas, uma atrás da outra, absorta nos seus pensamentos.
Ao me deparar com suas frases numa entrevista, rio pela defesa que faz dos fumantes, jogando para escanteio a caretice do politicamente correto que nivela tudo por padrões, como se o bem comum não fosse também o respeito às diferenças. Então, fuma Teresa, ou melhor, fala: "Eu respeito a regra do jogo, mas me chateia não poder fumar em vários ambientes, ter de ficar na rua, meio pária. Me incomoda essa cruzada santa. Não tenho um olhar de 'vida imortal', como as pessoas hoje querem ter. Fiquei 15 anos sem fumar. Recomecei quando fui para Cuba, porque era irresistível. Adoro cigarrilhas."
Gostei da crítica à "cruzada santa", Teresa, e acho que você gostaria desse epitáfio fora de série. Sua rebeldia sempre fez a diferença.