Para Michel Melamed, a vida precisa ser mais ''ritualizada''. Desde tomar um simples café até interpretar duas fases do complexo protagonista do clássico brasileiro ''Dom Casmurro''. O ator, apresentador e escritor, intérprete do adulto Bentinho e do maduro Dom Casmurro, na microssérie ''Capitu'', da Globo, deixa isso claro ao longo de todo o bate-papo sobre o que chama de ''imersão''. Foram sete meses de trabalho para gravar apenas cinco capítulos da obra. O que, para Michel, não foi um exagero. Ainda mais levando-se em consideração a direção minuciosa de Luiz Fernando Carvalho. E, é claro, por ser esta a sua estréia na teledramaturgia. ''O Luiz estimula o elenco a ir ao limite. Parece demais, mas chegamos a ponto de dar a vida, só pensar naquilo. Ainda mais para mim, para quem tudo era uma novidade'', valoriza, justificando as mais de doze horas diárias passadas em um galpão do Centro do Rio entre ensaios e workshops.
Foi nesse processo que Michel conseguiu encontrar elementos que o ajudassem a intensificar a dubiedade da obra-prima de Machado de Assis. A ponto de não deixar claro se Bentinho e Dom Casmurro são a mesma pessoa, como no romance. A Bentinho, menos farsesco, empresta sua voz e sua imagem apenas adaptadas aos padrões do século XIX, quando se passa a história. Já para encarnar o narrador, os estudos foram mais intensos. Tanto que o próprio diretor convocou treinamento especial para o rapaz. Com a ajuda do ator mineiro Rodolfo Vaz, prêmio Shell de melhor ator de teatro de 2007 por ''Salmo 91'', Michel conseguiu encontrar a voz e o gestual ideal para se fazer passar por velho na microssérie. ''Chegamos a uma versão de um clown velho, com maquiagem carregada, olheiras e voz arranhada'', tenta explicar, deixando escapar que sua maior dificuldade foi se adaptar à proposta principal do personagem na trama. ''Tinha de ser algo contraditório, porque ele é um narrador não-confiável. Falar algo com intenção diferente. Depois da ironia, ficar emocionado e, em seguida, soltar uma gargalhada exagerada'', exemplifica.
Michel não esconde a expectativa em torno dos resultados. Como não acompanhou nenhuma parte do processo de edição, o ator está conferindo, no ar, o que deu certo. Ou não. ''Fico nervoso. Mas se 10% do que eu senti quando fazia for passado através das imagens, já me sentirei realizado'', exagera.
Sobre a possibilidade de não atrair o público, como aconteceu com o último trabalho de Luiz Fernando na Globo, ''A Pedra do Reino'', Michel é bem direto. ''Não concordo quando dizem que não funcionou. Ibope não afere qualidade. Se exibirem um filme do Federico Fellini e, na semana seguinte, no mesmo dia e horário, colocarem um sucesso de Hollywood, certamente o segundo vai ser mais bem-sucedido nos números. Mas não significa que seja melhor'', exemplifica.
O contrato com a Globo termina este mês e Michel ainda não sabe o que vai acontecer com sua carreira depois que estiver livre para negociar com outras emissoras. Desde que decidiu não renovar com a TV Brasil, onde trabalhou por mais de cinco anos, Michel confessa que vem sendo sondado para alguns trabalhos. Mas não tem certeza se seria capaz de aceitar ingressar em um novo projeto como ator, por exemplo. ''Estou acostumado a trabalhar em cima das minhas próprias criações. Fico meio preocupado em fazer um texto que não é meu'', entrega. Uma das prioridades do escritor é encontrar novamente uma emissora onde possa ter liberdade para colocar suas idéias na tevê. O que, segundo ele, sempre existiu na TVE. Mas se diluiu aos poucos depois que o canal público passou a se chamar TV Brasil. ''Tentei durante um ano, conversei com a direção, mas concluí que não há mais espaço para a criação depois da mudança'', aponta o ex-apresentador do ''Comentário Geral'' e do extinto ''Recorte Cultural''.