Ceias com sotaque
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sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
Marian Trigueiros<br>Reportagem Local
Já parou para pensar qual receita não pode faltar em sua ceia das festas de fim de ano? Dependendo da região do Brasil e do mundo, a mesa é diferente e possui fortes influências da cultura e da imigração ao redor. Porém, independentemente de onde seja realizada, uma coisa é certa: algumas famílias passam, de geração em geração, um prato ou ingrediente em especial que sempre está presente no Natal ou no Réveillon. Segundo Washington Silvera, consultor e professor de gastronomia da escola Centro Europeu, a ceia das festas de fim de ano no Brasil se baseiam, sobretudo, na tradição. "A gastronomia consagra pratos que se repetem sem muitas alterações durante anos, são receitas que fazem parte da chamada cultura alimentar. E se o consumo de uma nova receita se repetir ao longo dos anos, podemos dizer que a cultura alimentar ganhou novos sabores".
Um exemplo, conforme ele, é o peru no Natal. "No período colonial, muitas famílias nobres seguiam tradições europeias e comiam faisão. Até que, por influência norte-americana, começaram a comer o peru. Essa ave, muito consumida por astecas e índios norte-americanos foi incorporada à tradição do Dia de Graças por ser sinônimo de abundância e fartura", explica. E a carne macia e magra do peru - que já foi chamada de "galinha da Índia" - influenciou não só a cultura brasileira, mas também europeia, onde figurava em banquetes harmonizada com cebolas, alho poró e molhos a base de pimenta. "Uma história recente é a invenção do "chester", um frango geneticamente alterado por grandes empresas do mercado. Ou seja, por motivos comerciais, influência social ou religiosa, a tradição é construída", atenta.
Além da influência religiosa de algumas culturas no preparo da ceia, ele destaca que pode também pode ser ditada pelos imigrantes que compõe a cultura brasileira. "A tradição de comer panetone ("Pani de Toni", que nasceu em Milão) no final do ano é italiana. Já o "mjadra", um prato libanês com base de arroz, cebola e lentilhas, é sinônimo de abundância e sorte. Aliás, os povos árabes, em geral, tem grandes tradições e são fieis em sua execução. Por sua vez, o consumo de frutas é um costume adotado na Roma antiga para homenagear o solstício de inverno que acontece no hemisfério norte. Inclusive, estudos apontam que, 7 mil anos antes do nascimento de Jesus Cristo, como era um ponto de virada "das trevas" para a o renascimento do sol, vários povos comemoravam com mesas fartas".
Tradição no Brasil
Dentre os vários pratos tradicionais das ceias no Brasil, o consultor lembra da rabanada, uma receita à base de pão embebido no leite, empanado e frito que leva açúcar e canela. "Os primeiros registros históricos da rabanada são datados no século 14. Na península ibérica, a rabanada já foi um doce que recuperava mulheres após o parto. No começo do século 20, era alimento comum em tabernas de Madri, na Espanha. Talvez, também, pela grande influência cristã na Espanha e Portugal, foi associada a períodos religiosos como a Quaresma e Natal". Assim como grande parte das receitas, esta também ganhou adaptação ao longo dos anos e, no Brasil, há quem faça a releitura com leite condensado e outros ingredientes.
De acordo com o professor, outro prato muito consumido no final de ano no Brasil é o salpicão. "Poucas pessoas sabem, mas o prato tem como base um prato mexicano chamado "salpicón", uma salada com ingredientes crus e cozidos com molho. Aqui, o salpicão lembra também a estrutura da salada Waldorf, que leva maionese, maçã verde e salsão", diz ele, completando que a relação do salpicão nas mesas brasileiras é uma história recente, incorporada nos anos 50. Já a farofa, explica, é um prato tipicamente brasileiro, com base na cultura da mandioca e ganha várias versões nessa época, que vão de quentes a frias, das simples às mais elaboradas. Para ele, uma ceia tipicamente brasileira deveria ser composta de muitas frutas da estação, devido à abundância e exotismo com grande variedade. "Também usaria muitos peixes, como o pirarucu, um peixe de água doce encontrado na bacia Amazônica. Para completar, um vinagrete e farofa de banana da terra, um cruzamento bem brasileiro".