CD recupera um Brasil viável musicalmente
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sábado, 27 de julho de 2002
Reportagem Local
''Memorial'' é um disco cercado de pompas. Mas em nenhum momento soa monótono, linear, institucional. Em outras palavras, é sofisticado sem ser elitista aos ouvidos comuns. Como diretor musical, Wagner Tiso soube equilibrar sobriedade e leveza ao utilizar principalmente as cordas ora com pujança, ora com parcimônia. E para dar estofo às suas concepções, convocou um time estelar de músicos como Jorge Helder (contrabaixo), Lula Galvão (violão), Zé Nogueira (saxofone), Robertinho Silva (percussão), só para citar alguns. E, como não poderia faltar, há orquestra de cordas e sopro. O próprio Wagner atua no piano e sanfona.
''Peixe Vivo'', a música preferida de JK ou, em palavras mais nobres, sua logomarca existencial abre o disco com arranjo que parece remeter a Villa-Lobos. Como intérprete, Zé Renato, dono de voz miúda mas afinada e bem colocada, oscila entre a técnica e a emoção no geral, se sai muito bem. Um de seus momentos mais singelos é ''Quando Tu Passas por Mim'' (Vinicius de Moraes - Antônio Maria), um samba-canção com levada de Bossa Nova e (belos) improvisos de jazz ao piano. Eis a primeira e sutil referência à Bossa Nova, ao presidente Bossa Nova, que também aparece em ''Rosa Morena'' (Dorival Caymmi).
Tom e Vinicius comparecem em ''O Grande Amor'' (1960) e ''Lamento no Morro'' (1956, extraída da trilha sonora de ''Orfeu da Conceição'') mais uma referência a dois papas do mais revolucionário movimento musical sem concordância direta ao estilo ''um cantinho e um violão''. Duas outras grandes interpretações de Zé Renato.
Milton Nascimento, o carioca mais mineiro da MPB, solta o vozeirão na brejeira ''Tristeza do Jeca''. Samba, samba mesmo, está representado por ''Pois É'' (Ataulfo Alves), com direito a corinho e tudo o mais. No entanto, são nas serestas que Zé Renato parece melhor se espraiar. Duas em especiais são destaques: ''Súplica'' (Otávio G.Mendes -José Marcílio) e a belíssima ''Noite Cheia de Estrelas'' (Cândido das Neves).
A dobradinha Renato-Tiso não poderia ter melhor entrosamento. ''Memorial'', mesmo tendo a emblemática estampa de JK como pano de fundo, funciona porque recupera um Brasil dourado e viável. Ao menos musicalmente. (A.M.J.)