São Paulo - Acometido por uma diverticulite dias antes da sua festa de casamento, José Celso Martinez Corrêa, 86, entrou no Teatro Oficina, na noite de terça-feira (6), sentado em uma cadeira de rodas que era empurrada pelo seu noivo, o ator Marcelo Drummond, 60.

Da plateia lotada de artistas, personalidades e intelectuais, ecoavam gritos de "merda", como é desejada a boa sorte no teatro, e "evoé".

"Viva o Zé Celso", clamou o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP), um dos padrinhos do casal. "E viva o Marcelo", completou uma mulher entre os espectadores.

A cantora Marina Lima deu início a celebração cantando "Fullgás", música com a qual o casal se conheceu. Por quase três horas, o casamento foi de fato um rito "artístico-ecumênico", como já tinha anunciado o seu grande idealizador, o ator e diretor Ricardo Bittencourt. "Foi ele que inventou tudo isso", diria Zé Celso, posteriormente, ao agradecer o amigo pela animada celebração.

Daniela Mercury, Bete Coelho, José Miguel Wisnik, Leona Cavalli, Alexandre Borges - e Maria Bethânia, em participação por mensagem de voz - foram alguns dos artistas que se apresentaram no evento, que teve também rituais indígenas e do candomblé.

DISCURSO

Quase ao fim, em um discurso bem-humorado de pouco mais de 15 minutos, Zé Celso disse que a noite foi uma "das maiores festas" de sua vida e do teatro brasileiro. "Foi um dos grandes momento do Oficina", afirmou.

O diretor, então, explicou que estava de cadeira de rodas porque enfrenta uma diverticulite. Em sua visão, a doença foi provocada pela aprovação do projeto do marco temporal pela Câmara dos Deputados, na semana passada. "No dia que eu soube desse fascismo do Congresso brasileiro, dei um berro e sai desesperado, andando de quatro. Aí, veio essa diverticulite, mesma doença que aconteceu com o Tancredo Neves, uma doença grave", afirmou.

Por estar trabalhando em uma adaptação para o teatro do livro "A Queda do Céu", escrito pelo líder indígena Davi Kopenawa em coautoria com o antropólogo francês Bruce Albert, Zé Celso afirmou que está muito ligado à questão indígena e ficou sensibilizado com o tema.

Em sua apresentação, Daniela Mercury também se posicionou contra o marco temporal e chamou os presentes para uma manifestação que a Comissão Arns e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) irão realizar nesta quarta (7), no Theatro Municipal de São Paulo.

SILVIO SANTOS

Silvio Santos, dono do terreno ao lado do Oficina e que é centro de uma disputa com o diretor que dura desde a década de 1980, não foi esquecido. Ao falar que considera a cultura indígena a maior que existe, por ser oposta à cultura dominante, Zé Celso citou o apresentador e empresário como exemplo da "cultura da mercadoria". E lembrou que foi "presenteado" por Silvio Santos, no dia do seu casamento, com uma ação judicial —o dono do SBT, aliás, chegou a ser convidado para a celebração.

Como revelado pela coluna, a Justiça de São Paulo proibiu Zé Celso e Marcelo de plantarem uma árvore ou promoverem qualquer ação na área vizinha ao teatro. Se descumprirem a determinação, a multa é de R$ 200 mil.

A decisão é resultado de uma ação proposta pelo Grupo Silvio Santos, após o diretor ter divulgado que iria plantar um ipê no local. A árvore foi um presente de casamento das atrizes Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, mãe e filha.

Zé Celso sonha em construir no local o parque do rio Bexiga. Já Silvio Santos quer fazer um empreendimento imobiliário no espaço.

"Faz 41 anos que essa luta existe. E, durante 41 anos, ele [Silvio] não conseguiu fazer nada [no local]", afirmou Zé Celso. "O parque do rio Bexiga é uma coisa que tem que acontecer mais cedo ou mais tarde, porque a história caminha no sentido de transformação", completou.

A briga entre os dois foi lembrada também em outros momentos da festa. Ao ler o texto dos padrinhos, Suplicy disse que é obrigação deste grupo "zelar pela fertilidade" da terra do Oficina e lutar contra a "especulação imobiliária e os empreiteiros prediletos das grandes hecatombes".

Em seu discurso, Zé Celso também destacou que o seu casamento com Marcelo "visa a continuidade do teatro Oficina". Juntos há 36 anos, ele disse que eles viveram como amantes por sete anos, e que depois cada um foi experienciar outras histórias afetivas. "Esse grande amor que nos une é um amor extremamente ligado ao teatro Oficina", concluiu.

A festa terminou ao som da Vai-Vai, escola tradicional do bairro do Bixiga.