Quando publicou seu primeiro livro, “Quarto de Despejo”, Carolina Maria de Jesus tinha 45 anos. Morava na Favela do Carindé, situada às margens do Rio Tietê na cidade de São Paulo. Neta de escravos nascida em Minas Gerais, ganhava a vida como catadora de papel pelas ruas de São Paulo. Mãe solteira, cuidava sozinha de três filhos.

Em forma de diário, a obra trazia pela primeira vez na literatura brasileira um retrato da favela através de um olhar interno, o olhar de um habitante do lugar. E alertava que a fome se apresentava como uma nova forma de escravidão.

Carolina Maria de Jesus:nova edição de "Casa de Alvenaria" traz a transcrição na íntegra dos manuscritos da autora que teve acesso a apenas dois anos de educação básica
Carolina Maria de Jesus:nova edição de "Casa de Alvenaria" traz a transcrição na íntegra dos manuscritos da autora que teve acesso a apenas dois anos de educação básica | Foto: Reprodução

Publicado em 1960, rapidamente “Quarto de Despejo”, tornou-se best-seller e retirou Carolina Maria de Jesus (1914 – 1977) da aspereza da invisibilidade para jogá-la nos macios tapetes da fama. A obra vendeu milhões de exemplares e foi traduzido para 40 línguas.

Ao publicar seu segundo livro, “Casa de Alvenaria”, em 1961, viveu a outra face do sucesso. O macio tapete da fama cedeu lugar à aspereza do preconceito. Escrito na urgência de interesses comerciais, a obra realizava um retrato perturbador de uma mulher negra que deixa o barraco de madeira da favela para viver em uma casa de alvenaria num bairro de classe média: “Quando estou entre brancos, tenho a impressão que eles detestam a minha presença.”

Dando início à republicação das obras completa de Carolina de Jesus, a editora Companhia das Letras está lançando “Casa de Alvenaria”, livro que estava fora de catálogo há décadas. A editora, que constituiu um conselho editorial especial para editar a obra da autora, dividiu a obra em dois volumes: “Casa de Alvenaria – Volume 1: Osasco” e “Casa de Alvenaria – Volume 2: Santana”.

A nova edição de “Casa de Alvenaria” traz uma novidade: resgata a transcrição na integra dos diários manuscritos de Carolina, preservando o texto original com suas particularidades linguísticas e ortográficas. A linguagem de uma escritora autodidata que teve acesso a apenas dois anos de escola básica.

No prefácio dos volumes, a escritora e linguísta mineira Conceição Evaristo assinala que a nova edição de “Casa de Alvenaria” precisava resgatar a engenhosidade de Carolina de Jesus em sua maneira de lidar com as palavras: “Suas construções frasais; seus modelos clássicos de linguagem, pelos quais a escritora tinha desejos e encantamentos; sua presença aos lugares de falas populares; seu acento mineiro; seu estilo de pontuação; sua entonação oralizada que ela intencionava transportar graficamente para o texto e, por fim, sua fala nos moldes do ‘pretuguês’ usado para assinalar que a língua falada no Brasil tem forte influência das línguas faladas pelos povos africanos aportados no solo brasileiro, em consequência da escravidão.”

“Casa de Alvenaria” pode ser considerada uma continuação direta de “Quarto de Despejo”. O conflito da narradora deixa de ser a fome para se tornar sua entrada em um mundo estranho e desconhecido. Um mundo angustiante onde o dinheiro possui um valor diferente daquele de saciar a fome básica. Um mundo angustiante onde o sucesso retira da vida tudo aquilo que Carolina esperava encontrar na vida: tempo para escrever.

Conceição Evaristo resume esse novo ambiente da autora com as seguintes palavras: “Acreditava-se que um segundo diário causaria o mesmo efeito bombástico que o primeiro livro vinha causando no Brasil e no exterior. Surge então uma obra composta na urgência do dia a dia, apresentando um cotidiano em princípio não mais marcado pela fome, mas pela pressa, pela correria, pelo ir e vir, pelas consequências de uma Carolina transformada em mercadoria, um produto a ser exposto, em um bem de uso público, requisitado para as mais diferentes funções. Uma Carolina cuja presença era solicitada em reuniões políticas, religiosas e culturais; que recebia pedidos de auxílio financeiro, indicações para emprego.”

A própria Carolina Maria de Jesus escreveu em seu diário de 25 de dezembro de 1960: “Comecei a pensar na minha vida. Todos dizem que fiquei rica. Que eu fiquei feliz. – Quem assim o diz, estão enganado! Devido ao sucesso do meu livro, eu passei a ser olhada como uma letra de cambio. Represento o lucro. Uma mina de ouro, adimirada por uns e criticada por outros.”

Imagem ilustrativa da imagem Carolina Maria de Jesus: uma escritora na sala de estar

Serviço:

“Casa de Alvenaria – Volume 1: Osasco”

Autora – Carolina Maria de Jesus

Editora – Companhia das Letras

Prefácio – Conceição Evaristo e Vera Eunice de Jesus

Páginas – 232

Quanto – R$ 39,90 (papel) e R$ 27,90 (e-book)

“Casa de Alvenaria – Volume 2: Santana”

Autora – Carolina Maria de Jesus

Editora – Companhia das Letras

Prefácio – Conceição Evaristo e Vera Eunice de Jesus

Páginas – 520

Quanto – R$ 59,90 (papel) e R$ 39,90 (e-book)