Rio de Janeiro - O sambódromo da Sapucaí amanheceu em seu primeiro dia de desfiles, na segunda-feira (24), com três grandes destaques: Viradouro, Grande Rio e Portela. Elas levantaram a plateia com enredos sobre raízes da cultura popular e surpreenderam na riqueza de fantasias e alegorias.

A Viradouro foi a segunda escola a entrar e "lavou a alma" do público com uma apresentação impecável que já começou com uma sereia dentro de um aquário. Era a nadadora Anna Veloso. "Só uma atleta com muito preparo físico poderia estar ali. Mas quando o tanque fica escondido é hora de ela respirar", disse o coreógrafo Alex Neoral.

A Viradouro surpreendeu o público logo no início com uma 'sereia num aquário' protagonizada pela nadadora Anna Veloso; o enredo aquático homenageou as lavadeiras da Bahia
A Viradouro surpreendeu o público logo no início com uma 'sereia num aquário' protagonizada pela nadadora Anna Veloso; o enredo aquático homenageou as lavadeiras da Bahia | Foto: Carl Souza/ AFP

A traseira do abre-alas também estava abastecida de água, mas com perfume da água de cheiro da Bahia. O enredo era "Viradouro de Alma Lavada", homenageando as ganhadeiras da Lagoa do Abaeté, em Salvador, e resgatando suas histórias e seu empreendedorismo.

A escola contou a forma criativa como gerações de lavadeiras ganharam a vida se revezando entre o trabalho nas margens da lagoa e perambulando pela capital baiana com cestos de produtos variados. Com os lucros, acabaram ajudando a alforriar muitos escravos.

Um pequeno deslize prejudicou o final da apresentação: o último carro teve um defeito e as luzes dos refletores falharam. Mas o efeito do movimento dos braços de uma ganhadeira levantando uma roupa do cesto foi um diferencial.

A Grande Rio trouxe a história do pai de santo João Goumeia e abordou a intolerância religiosa
A Grande Rio trouxe a história do pai de santo João Goumeia e abordou a intolerância religiosa | Foto: Mauro Pimentel/ AFP

Já a Grande Rio, quinta a pisar na Sapucaí, fez o público balançar durante quase todo o desfile bandeirinhas com o verde, o vermelho e o branco da escola.

O enredo contou a história de Joãozinho da Gomeia, o mais famoso pai de santo da cidade de origem da agremiação, Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Ele foi retratado como um líder religioso negro, homossexual e nordestino.

Teve carros ricos, fantasias elaboradas e muita cor. As paradinhas da bateria foram outro fator responsável por animar o público, que cantava junto o refrão: "Pelo amor de Deus, pelo amor que há na fé / Eu respeito seu amém / Você respeita o meu axé", falando da intolerância religiosa.

Mas a Grande Rio, assim como a União da Ilha, teve uma falha grande quando seu primeiro carro empacou, provocando um atraso e um buraco no desfile. Homens tiveram que empurrar a enorme alegoria e uma correria tomou as alas seguintes, depois normalizadas.

A Portela fez uma homenagem aos índios tupinambás e à sua terra “Guajupirá”, um paraíso perdido
A Portela fez uma homenagem aos índios tupinambás e à sua terra “Guajupirá”, um paraíso perdido | Foto: Carl Souza/ AFP

Maior campeã do Grupo Especial do Rio, segundo ranking da Prefeitura do Rio, a Portela encerrou o primeiro dia de desfiles com o enredo "Guajupiá, terra sem males" e uma apresentação considerada deslumbrante e aplaudida pelo público.

Guajupiá era para os índios tupinambás o que Olimpo era para os gregos: um paraíso a ser alcançado. E eles juraram ter encontrado esse lugar nas terras hoje cariocas.

Tudo fluiu na apresentação da escola, que desfilou com o dia já amanhecendo. O uso de uma paleta de cores vibrantes e luminosas, baseadas no tradicional azul da escola, foi muito eficiente para conseguir destacar a apresentação na Sapucaí.

Também contribuíram para a popularidade da escola o refrão-chiclete e uma águia brilhante fazendo barulho com asas que se moviam no primeiro carro, retratando o tal paraíso que os índios viram ao chegar no Rio de Janeiro.

A Mangueira levou a história de Jesus ao sambódromo, tendo como alvo a repressão policial
A Mangueira levou a história de Jesus ao sambódromo, tendo como alvo a repressão policial | Foto: André Melo Andrade/ May Photopress/ Folhapress

No geral, o primeiro dia da Sapucaí teve muitas críticas à violência policial e a outros temas sociais.

Última campeã do Carnaval carioca, a Mangueira empolgou menos do que o esperado com um enredo repleto de críticas políticas, principalmente à direita, por meio da história de um Jesus de "rosto negro, sangue índio e corpo de mulher".

A comissão de frente chegou impactante, com policiais truculentos revistando e agredindo os dançarinos (muitos deles negros) e até o próprio Cristo, que aparece em sua forma mais conhecida, de pele branca e cabelos e barba compridos.

A União da Ilha colocou homens de terno com a faixa presidencial sentados no trono (o de porcelana, e não o de ouro). E a Portela dizia no refrão: "Nossa aldeia é sem partido ou facção / Não tem bispo, nem se curva a capitão".

A Paraíso do Tuiuti fez um desfile luxuoso para celebrar a união de dois mitos: o rei português Dom Sebastião e o santo padroeiro do Rio de Janeiro.

As escolas fizeram desfiles muito coloridos e pouco respeitaram as cores das suas bandeiras, como faziam tradicionalmente. As alas coreografadas foram outra tônica —só a Viradouro tinha seis delas. A cultura afro foi, de uma forma ou de outra, tema unânime.