Cannes e o hábito saudável das salas de cinema
Pela primeira vez na história do evento, cerimônia de abertura e filme foram transmitidos simultaneamente em 382 cinemas franceses
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 15 de maio de 2025
Pela primeira vez na história do evento, cerimônia de abertura e filme foram transmitidos simultaneamente em 382 cinemas franceses
Carlos Eduardo Lourenço Jorge - Especial para a Folha 2

O diretor Sean Baker, multipremiado no Oscar 2025, fez um lindo discurso na noite de entrega dos prêmios, dia 2 de março. Quem viu e ouviu não se esquece: não foram apenas agradecimentos pelas várias estatuetas que a Academia lhe conferiu por “Anora”, mas o registro da importância de se assistir aos filmes nas salas de cinema. Importância minada pela claustrofóbica e paranoica herança do período da pandemia.
“Estamos todos aqui hoje assistindo a esta transmissão porque amamos o cinema”, disse ele. “E onde foi que nos apaixonamos pelo cinema? Nas salas de cinema. Assistir a um filme em uma sala de cinema, com uma plateia, é uma experiência. Única. Podemos rir juntos, chorar juntos, gritar de medo juntos e, talvez, ficar sentados em silêncio, devastados, mas juntos. E, neste momento em que o mundo pode parecer muito dividido, isso é mais importante do que nunca."
Acredito muito nessas palavras. O cinema não é só sobre imagens e sons contando histórias – é sobre o encontro mudo de quem assiste o que vai na tela, é sobre sentir junto. Em um planeta cada vez mais digital e solitário, precisamos desses momentos compartilhados. Desta comunhão. Desta cumplicidade.
O público dentro de uma sala não precisa de apresentações, a cinefilia ali reunida é uma fraternidade, não vai ter efeito climático. E se basta como tal. Uma congregação. Sempre houve e sempre haverá alguma coisa de místico neste convívio envolto em escuridão, sombras e um facho mágico de luz.
Pois bem. Na noite de inauguração do 78º Festival de Cannes na terça-feira (13), no Palais des Festivals, o mestre de cerimônias, Laurent Latiffe anunciou que, pela primeira vez na história do evento, tanto a cerimônia de abertura quanto a projeção hors concours do filme “Partir un Jour”, de Amélie Bonnin, seriam transmitidos simultaneamente em 382 cinemas registrados em 90 departamentos franceses.
Esta operação teve repercussão em todos os tipos de cinemas e exibidores: redes, independentes, cinemas de arte, associações, municipais. Assim, todos os cinemas participantes transmitiram ao vivo a cerimônia, apresentada pelo ator francês Laurent Lafitte e com um convidado de honra, o ator Robert de Niro.
Desta maneira, Cannes fez eco do improvisado mas certeiro manifesto do diretor Sean Baker, tornado público há dois meses no Dolby Theater em Hollywood. Com o objetivo de compartilhar com um amplo público de cinéfilos a primeira noite desta grande celebração do cinema, a iniciativa foi mais uma oportunidade para reafirmar o valor da produção cinematográfica e o poder da experiência coletiva.
Bom lembrar que, em edições recentes, Cannes abriu perigosas exceções para investidas de determinada (e bem conhecida) plataforma de streaming. O bom senso, no entanto, prevaleceu, e a empresa retrocedeu em suas pretensões de impor suas produções “salas de estar” nas seções (e sessões) da mostra francesa.

