Conhecer a história do compositor, instrumentista, arranjador e maestro Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha (1897-1973), é conhecer a história da música genuinamente brasileira, em especial, o choro. Não por acaso, na data de seu nascimento, 23 de abril, é celebrado o Dia Nacional do Choro, embora haja controvérsias com relação à exatidão. Este ano, vida e obra do artista estão sendo relembradas na exposição “Pixinguinha – Naquele tempo, hoje e sempre”, inaugurada recentemente no IMS (Instituto Moreira Salles), do Rio de Janeiro, e que fica em cartaz até o dia 3 de novembro.

A mostra, com curadoria de Luiz Fernando Vianna, reúne o acervo do artista (sob a guarda do IMS desde o ano 2000), retratos feitos por fotógrafos, além de partituras originais, discos e objetos pessoais. Um dos destaques da exposição está na flauta da marca Luigi Billoro, a última tocada por Pixinguinha. No início da década de 1940, ele trocou de instrumento e adotou o sax-tenor. Também há uma cronologia preparada a partir das informações disponíveis no site www.pixinguinha.com.br , um dos mais completos bancos de informações sobre ele. Além do site, o instituto já lançou diversas publicações sobre o compositor, como “Pixinguinha na Pauta” (2010), “Pixinguinha – Inéditas e Redescobertas” (2012), “Pixinguinha – Outras pautas” (2014) e “O carnaval de Pixinguinha” (2013).

Data de seu nascimento, 23 de abril, se transformou no Dia Nacional do Choro
Data de seu nascimento, 23 de abril, se transformou no Dia Nacional do Choro | Foto: Acervo IMS/ Divulgação

Pixinguinha foi flautista, saxofonista, compositor e arranjador. É considerado um dos maiores compositores da música popular brasileira e contribuiu diretamente para que o choro encontrasse uma forma musical definitiva. Começou a tocar em casa, com seu pai, ainda criança. Em 1911, aos 14 anos, já atuava profissionalmente. Em sua trajetória, tocou em salas de cinema, ranchos carnavalescos, casas noturnas e no teatro de revista. Integrou o grupo “Caxangá”, com Donga e João Pernambuco. A partir desse grupo, foi formado o conjunto “Oito Batutas”, ativo a partir de 1919. Na década de 1930, destacou-se como arranjador na gravadora RCA Victor. Já na década de 1940, tocou sax-tenor ao lado do Regional de Benedicto Lacerda e do conjunto do flautista.

O CHORO

A exposição do IMS é um marco, pois falar em choro, certamente, é falar de uma música nascida e criada em solo brasileiro. Conhecido como um gênero musical tipicamente carioca - embora haja discordâncias por diversos pesquisadores da música popular brasileira - o choro sempre foi tocado em todo o Brasil, respeitando os regionalismos e as especificidades da cultura local. Já foi considerado marginal e dominado pela soberania do rock norte-americano surgido na década de 1940. Porém, não só renasceu e se fortaleceu na década de 1960, como tornou-se um dos gêneros musicais mais respeitados e exportados do país.

“Hoje, a presença do choro em outros países é fato; são brasileiros que viajam para o exterior e levam consigo a “escola do choro” e difundem o gênero entre instrumentistas de jazz, que se identificam e absorvem o choro em suas práticas musicais. São, ainda, músicos do exterior que visitam o Brasil, se apaixonam pela cultura e pelo gênero e voltam diversas vezes a fim de aprofundar a técnica de tocar o instrumento e conhecer mais sobre a história do choro”, diz Leonor Bianchi, jornalista especializada em música, cinema e editora da Revista do Choro, que há cinco anos dedica-se a resgatar histórias e curiosidades do gênero.

Leonor Bianchi: "Hoje, a presença do choro em outros países é fato; são brasileiros que viajam para o exterior  e difundem o gênero"
Leonor Bianchi: "Hoje, a presença do choro em outros países é fato; são brasileiros que viajam para o exterior e difundem o gênero"

Durante esse tempo, conversou com muitas pessoas importantes ligadas ao choro. No primeiro número da revista, entrevistou os integrantes do conjunto “Época de Ouro”. “À época, eram celebrados os 50 anos do Regional criado por Jacob do Bandolim, ainda em atividade, e com integrantes da primeira formação, como o grande Jorginho do Pandeiro. Ele, então, com seus avançados 84 anos, seguia perfeitamente em plena forma tocando com o “Época de Ouro” em turnês Brasil à dentro”, pontua a editora, que, pela influência, também passou a tocar flauta transversal no projeto “Os Baús do Choro”, em Lumiar, distrito de Nova Friburgo (RJ).

Nessas pesquisas e edições, a editora trouxe à tona, também, muitas histórias e personagens, alguns já esquecidos, outras referências vivas, e de grandes “chorões” contemporâneos conhecidos como o próprio Pixinguinha, além de Benedicto Lacerda, Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, Severino Araújo, Garoto, Raphael Rabello, Alencar 7 Cordas, sem esquecer dos precursores do choro, como Joaquim Callado, Anacleto de Medeiros, Chiquinha Gonzaga, Zequinha de Abreu, Ernesto Nazareth. “Atualmente, escrevo a biografia de Altamiro Carrilho, um dos maiores flautistas do mundo e que ainda não teve sua obra devidamente valorizada.”

MULTICULTURAL

A revista também tem se dedicado a mostrar as peculiaridades e mudanças do gênero ao longo dos anos. Conforme a pesquisadora, o formato dos Regionais com flauta, violão e cavaquinho foi se transformando e absorvendo novos instrumentos. “A própria introdução do saxofone no choro, e de elementos do jazz por Pixinguinha (quando volta de uma turnê com os “Oito Batutas”, em Paris, em 1922) foi um divisor de águas na estética sonora do choro, associado ao jazz em função de sua semelhança ao gênero quando da possibilidade da improvisação”, pontua ela, ressaltando as pesquisas atuais existentes sobre “sotaques do choro”, mostrando que o gênero é plural e multicultural.

Além da força indiscutível do choro no Rio de Janeiro e em São Paulo, Bianchi destaca que, em cada região do país, o choro apresenta uma levada própria, que pode ser distinguida por quem escuta a música. “No Sul, o choro adquiriu influências de guarânias, polcas, chumarritas, vaneras e vanerões. No Nordeste, os metais, sob a influência do maestro Severino Araújo e o acordeon, referência na música de Hermeto Pascoal, Sivuca e Dominguinhos. Esses, para mencionar os mais populares entre o público, foram verdadeiros desbravadores da nossa música e também contribuíram sobremaneira para o choro, deixando um legado enorme e fartas fontes de estudos para as últimas cinco gerações.” Em 2015, a editora lançou o site www.mapadochoro.comcom a proposta de mapear a cadeia produtiva do choro envolvendo desde produtores a instrumentistas, chegando ao público.

LONDRINA TEM TRADIÇÃO NO GÊNERO

O jornalista Edilson Leal (sentado no chão, ao lado dos discos), foi um dos precursores do choro em Londrina
O jornalista Edilson Leal (sentado no chão, ao lado dos discos), foi um dos precursores do choro em Londrina | Foto: Acervo pessoal

Pixinguinha, além da grande atuação como músico, entre 1947 e 1952 foi o diretor musical do programa de rádio “O Pessoal da Velha Guarda”, que marcou época e influenciou a retomada do movimento em todo país, incluindo Londrina, que acenava um desenvolvimento cultural pujante. Anos mais tarde, a TV Coroados, a primeira estação de televisão implantada em uma cidade do interior do Brasil, em 1963, lançava o programa “Musical da Saudade”, que ficou no ar entre os anos de 1964 e 1972, comandado pelo apresentador Chico Olivieri.

“Era um programa feito com músicos da terra que executava um repertório composto por velhos clássicos do cancioneiro popular brasileiro, com cantores sendo acompanhados por um autêntico Regional”, lembra o jornalista Edilson Leal de Oliveira que, durante vinte anos, manteve uma coluna especializada no jornal Folha de Londrina e foi um dos idealizadores do primeiro Clube do Choro em Londrina, em 1975. Ele conta que, neste Regional, atuavam diversos instrumentistas de violão (seis e sete cordas), bandolim, cavaquinho, acordeom e pandeiro. “Era natural que, no repertório, além de sambas e valsas e serestas, entrasse também o choro.”

Tanto no programa – e fora dele – o grupo era aglutinado por Frederico Bellinato, conhecido por “Cabeção”, tocador de violão-tenor, que desde 1955 já reunia outros chorões em bares da cidade. “Era um grupo formado por instrumentistas que não viviam de música, mas tinham experiências desde muito cedo. Grande maioria vinha de outros estados para morar em Londrina”, conta o médico e professor Jose Luis da Silveira Baldy, que também participou da fundação do Clube do Choro de Londrina, lembrando nomes dos precursores como Peixoto (violão 6 cordas), Albertino (violão de 7 cordas), Roberto Guerra (violão 6 cordas), Valmor Lima (cavaquinho) e Ditinho (Pandeiro), que perdurariam como base do que mais tarde seria o Clube do Choro de Londrina.

Em 1976, oficialmente é fundado o Clube do Choro de Londrina e há teses, inclusive, de que tenha o primeiro do país. Formado, portanto, por alguns dos chorões egressos do programa da TV Coroados e novos integrantes, o grupo ressaltou a representatividade da cidade na execução do choro. Tanto é que o 1º Encontro Nacional de Choro, reunindo grandes nomes do choro brasileiro, foi realizado em Londrina, em 1977. Desde então, entre ciclos de atividades mais ou menos frequentes do clube, o gênero apresenta uma nova safra na cidade, hoje, sob a coordenação do violonista Osório Perez. O grupo realiza apresentações, na maioria das vezes, com convidados em bares e eventos de Londrina, além de oficinas para a formação de novos instrumentistas. Parte da história pode ser conferida no documentário “Londrina Sorri para o Choro”, lançado no ano passado.

SERVIÇO:

Exposição “Pixinguinha – Naquele tempo, hoje e sempre”

Quando: até 3 de novembro

Onde: Instituto Moreira Salles (IMS) (Rua Marquês de São Vicente, 476 - Rio de Janeiro)

Quanto: Gratuito