A audição, um dos cinco sentidos do corpo humano, é uma função sensorial que permite captar os sons pelo ouvido. Crucial para a comunicação, além de detectar perigos e sons do ambiente, a audição ainda desempenha um papel importante no equilíbrio.

É graças à capacidade de ouvir que interagimos com o mundo e reagimos aos estímulos sonoros. Das canções de ninar a trilhas sonoras que marcaram o cinema, as memórias musicais compõem a biografia de cada indivíduo.

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A música, seus gêneros e ídolos estão disponíveis a todos - com inúmeras possibilidades de acesso. Cientes de como a música pode tornar um ambiente mais atrativo, agradável e receptivo, há estabelecimentos comerciais que prezam por escolhas neutras, em volumes não conflitantes e com seleções musicais que tornam mais agradável a hora do almoço, um café da tarde, a compra de roupas e acessórios e até eletrônicos.

MÚSICA AMBIENTE NA MEDIDA

Um exemplo vem dos empresários Sthefany Wick e Max Wick que complementam a identidade da loja de roupas e acessórios, localizada na rua Paranaguá, com um som ambiente personalizado. "Temos uma play list elaborada para nossa loja e o Max, que sempre trabalhou com música e é compositor, é quem geralmente escolhe uma a uma", conta Sthefany.

Decorada com referências musicais como Elvis Presley, Madonna, Freddie Mercury, Jimi Hendrix, David Bowie e Luan Santana, por exemplo, o espaço traz em sua decoração ainda fitas cassetes e LPs que valorizam a arte musical e nomes respeitados por diferentes gerações.

"Nossos clientes sempre comentam e sugerem músicas. Nossa decoração tem grandes nomes da música nacional e internacional, isso acaba trazendo memórias afetivas aos nosso público. Eles contam histórias sobre algum show que foram, ou quando escutam uma determinada música lembram e dividem um capítulo importante da vida", diz a comerciante.

Max e Sthefany Wick, lojistas : som ambiente com referências musicais para o cliente se sentir bem
Max e Sthefany Wick, lojistas : som ambiente com referências musicais para o cliente se sentir bem | Foto: Arquivo pessoal

Estão presentes ritmos latinos, clássicos do pop e rock, segundo a proprietária. "Somos bem ecléticos , então na loja sempre optamos por variar ao longo do dia para agradar a todos os clientes, pois temos a certeza que a música muda o humor e nos transmite algo bom e também nos traz referências a lugares, pessoas e isso nos faz acreditar então acredito que ela influência em ter uma boa experiência", afirma.

A loja Móveis Brasília, de móveis e eletroeletrônicos no Calçadão de Londrina, também passou a tocar música instrumental, especialmente o jazz , como atrativo para quem passa na rua ou entra para fazer compras. A seleção de músicas instrumentais gera também comentários na loja e redes sociais e, do ponto de vista da cliente Elisangela Prado, 44 anos, é uma demonstração de zelo com o cliente. "Uma música assim permite escolher com tranquilidade e fazer uma negociação clara com o vendedor", pensa. "A maioria das lojas tem música alta e isso é estressante, sem contar algumas letras com palavras de baixo-calão que já me fizeram até ir embora por constrangimento", acrescenta.

BARULHO AO PÉ DO OUVIDO

Mas nem tudo é música para os ouvidos, pois dada a quantidade de caixas de som e o volume delas, os 650 metros de extensão da Avenida Paraná parecem intransponíveis diante da poluição sonora provocada por diferentes estabelecimentos comerciais instalados na via. Tão popular como relevante , o Calçadão é o acesso de grande parte da população que busca serviços presenciais como os bancários, médicos, advogados e do comércio geral.

A quem avança, passo a passo pelo referido trecho, fica impossível não se chocar com os excessos e o desrespeito à legislação, entrando num universo urbano que se caracteriza pela perturbação do sossego. Das 9 às 18 horas, feito trincheira, tornou-se habitual que lojistas de magazines, lojas de departamentos, salões de beleza, redes de farmácia e até do segmento eletroeletrônico - montem diante de suas portas, caixas de som potentes sob a alegação de informar a quem passa, as ofertas.

Segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, lojas podem utilizar caixas de som voltadas para dentro e desde que não perturbem o sossego público
Segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, lojas podem utilizar caixas de som voltadas para dentro e desde que não perturbem o sossego público | Foto: Roberto Custódio

Entretanto, o pretexto das ofertas avança não só em decibéis, uma vez que a estrutura acústica direcionada para o lado de fora das lojas é planejado com uma sequência musical que varia entre os hits eletrônicos e sertanejos que conquistem o público de forma apelativa e, literalmente, no grito.

Para a artesã Neusa Kawakani, 54 anos, os dias de trabalho no Calçadão são de esgotamento. Kawakani integra um grupo de artesãos com datas para vender seus produtos no centro de Londrina e de seu ponto de vista a perturbação ao sossego reverbera em decibéis que desafiam a saúde humana.

Bem em frente às bancas onde ela trabalha, diante de seus ouvidos, uma farmácia mantém o som alto o dia todo. "Já tem as motos, carros, gente gritando vendendo chip de celular, os que cantam. Então ficamos atordoadas mesmo. É uma zoeira na cabeça", resume.

Segundo o gerente da farmácia, a caixa virada para fora é para atrair clientes e anunciar as ofertas. "Empregamos, pagamos impostos e temos que vender", disse. Em relação aos trabalhadores da drogaria, considera que a exposição ao som alto durante toda a jornada de trabalho não os prejudique. "Mas vou falar com o RH", disse. Outros cincos estabelecimentos flagrados com música alta e com caixas de som voltadas para o lado oposta da entrada apresentaram justificativas semelhantes e afirmaram que nunca foram notificados pela Secretaria de Ambiente ou receberam reclamações de vizinhos. Será?

BARULHO E REFLEXOS NA SAÚDE MENTAL

Do alto de seu entendimento, a musicista, pesquisadora, ecologista sonora e produtora cultural Janete El Haouli, moradora do Calçadão, considera que para a música influenciar na produtividade de colaboradores e no bem estar de clientes é necessário um estudo individualizado. "Caso contrário – e é o que mais se observa – temos a chamada poluição sonora que produz danos à saúde, à qualidade de vida, afetando o equilíbrio ambiental e certamente as relações sociais", aponta.

Janete El Haouli, musicista, pesquisadora e produtora cultural: " A falta de respeito é gritante e merece atenção do poder público com a máxima urgência"
Janete El Haouli, musicista, pesquisadora e produtora cultural: " A falta de respeito é gritante e merece atenção do poder público com a máxima urgência" | Foto: Arquivo pessoal

Em sua rotina, El Haouli nota essa prática. "Principalmente em períodos do ano em que os comerciantes buscam a todo custo ampliar suas vendas de modo agressivo colocando caixas de som com músicas ensurdecedoras na entrada das lojas, em volume altíssimo e estressante. A falta de respeito é gritante, atordoante e merece atenção do poder público com a máxima urgência", expõe.

Há mais de 30 anos pesquisando e realizando ações educativas sobre este tema para buscar pacificar a convivência em ambientes poluídos sonoramente, a estudiosa compreende que é preciso que cada cidadão e cidadã aprimorem sua própria escuta e sua percepção do som no ambiente em que vive e trabalha para que a mudança de atitude seja perceptível. "A poluição sonora é um problema que envolve a todos e ganhou grande proporção, sendo problema ambiental que atinge maior número de pessoas, conforme pesquisa da Organização Mundial da Saúde (2012), depois da poluição do ar e da água", informa.

FALAR E NÃO SER OUVIDO

Problema habitual, as caixas de som voltadas para a rua e vendedores com microfones seguem na mira da fiscalização. É grande o número de perturbadores. Aos que reclamam dos excessos e clamam pelo respeito, a sensação é de falar e não ser ouvido, pois o silêncio não tem lugar.

De acordo com o secretário de Ambiente, Ronaldo Deber Siena, os estabelecimentos comerciais podem utilizar as caixas de som desde que não causem perturbação ao sossego público. "As caixas devem estar com som ambiente voltado aos clientes que estão frequentando o local. Caso o estabelecimento tenha caixa de som na porta, voltada para fora ou para a rua, e que esteja causando perturbação ao sossego público, independentemente do horário, o munícipe poderá entrar em contato com a Secretaria Municipal do Ambiente, de segunda à sexta-feira, das 12h às 18h ou com a Guarda Municipal pelo 153, quando o fato ocorrer em horário diverso", esclarece.

A Legislação pertinente é o Código Ambiental do Município de Londrina ( Lei 11.471/2012 art. 163 a 166 ). Siena reitera ainda que a SEMA trabalha de forma preventiva. "Com a emissão de notificação e, em caso de flagrante pelo agente de fiscalização, o estabelecimento será autuado", avisa.