DivulgaçãoMarina: interpretação cansada e reencontro com os fãsDepois da tormenta, o recolhimento e a lenta reconstituição dos cacos emocionais. Para alguns artistas, a superação de perdas afetivas requer a cumplicidade do público, que vê os dramas íntimos do ídolo expostos sutilmente nas entrelinhas de suas obras.
O novo disco da cantora Marina é a tradução do que ela está sentindo e pensando após a crise que a fez ‘‘perder a voz’’ há dois anos. Batizado Pierrot do Brasil, o álbum chega esta semana às lojas do país reunindo dez faixas - nove de sua autoria, algumas em parceria com colaboradores de longa data, uma com o ‘‘tit㒒 Sérgio Brito e uma versão de ‘‘Something’s Got Me (Algo me Pegou)’’ da cantora Lori Carson.
Marina tomou frente, literalmente, do novo trabalho. Além de compor e cantar, desenhou arranjos e tocou guitarra, teclados, violão e programou loops. Na empreitada, contou com o know-how do produtor Suba, um iugoslavo radicado no Brasil que controlou mesas de som em discos recentes de Edson Cordeiro, Arnaldo Antunes, Edgar Scandurra, Taciana e Mestre Ambrósio.
DivulgaçãoA cantora, hoje com 42 anos, diz estar empolgada com o resultado e louca de vontade de mostrá-lo ao vivo em shows pelo país. Contrariando a fama de não gostar de palcos, revela que quer viajar e reencontrar os fãs, sem a obrigatoriedade de saudar um mero compromisso promocional. ‘‘É uma necessidade interna, não é uma demanda externa’’ - enfatiza.
Pierrot do Brasil é seu 15º álbum e o primeiro do novo contrato com a gravadora PolyGram, pela qual já lançou anteriormente Dessa Vida, Dessa Arte(1982) e Próxima Parada(1989). É a quarta vez que troca de casa. Lembrando o malsucedido disco anterior (Registros à Meia Voz/1996), Marina confessa que ‘‘aquele trabalho foi feito num momento de transição e de crise emocional profunda’’.
A ‘‘crise’’, segundo ela, a fez ‘‘perder a voz’’. ‘‘Não conseguia nem falar. Mas não foi problema de garganta, foi reflexo daquilo tudo.’’ Na época, Marina cancelou os shows da turnê do álbum Abrigo(1995), depois de passar 40 dias ensaiando com uma banda. No lugar dos shows, então, decidiu documentar esse período em disco, como uma maneira de compensar o trabalho desenvolvido com os músicos.
DivulgaçãoDois anos depois, porém, sua voz ainda sugere fragilidade e pouco fôlego. Embora tenha atenuado os agudos e explorado os registros graves em seus últimos álbuns, sua performance nas novas canções parece revelar danos nas cordas vocais. Ouça-se, por exemplo, a faixa ‘‘Arquivo II’’. Marina desliza numa interpretação cansada, que chega a sufocar sílabas.
A faixa é uma das mais fracas do repertório. Pierrot do Brasil, convém dizer com todas as letras, não traz de volta a vibrante Marina do álbum Marina Lima(1991), talvez seu melhor trabalho ao lado de Fullgás (1984). Embora cercada de aduladores, principalmente na crítica, a cantora ficou de novo em débito.
Ela continua dosando o acústico e o eletrônico e preocupada em acertar nas referências. Eleita musa da MPB moderna, Marina agora incorpora a brasilidade em seu seu trabalho, estimulada pelo mangue beat e pela variedade rítmica da Bahia. Talvez, por isso, tenha relegado a melodia em segundo plano. O quesito melodia é o que arrasta o álbum à monotonia.
DivulgaçãoCom Sérgio Brito, ela assina ‘‘Leva (Esse samba, esse amor)’’, um híbrido de samba e funk que remete ao universo de Luiz Melodia. Com seu irmão Antonio Cícero, ela exorcisa as feridas na dançante ‘‘Deixe Estar’’, dividindo os vocais com Cecilia Spyer. ‘‘Porque nós dois nos cruzamos com pressa demais / E foi tudo intenso e veloz / Nos amamos, meu bem, só que em pistas opostas / E sós’’ - canta ela.
As revelações prosseguem em ‘‘Pra Ver Meu Bem Corar’’, outra composta a quatro mãos com Cícero e com participação da professora de canto lírico Vera Maria Canto e Mello. Com Alvin L., assina ‘‘Arquivo II’’ e ‘‘Na Minha Mão’’, esta última com o verso ‘‘Se todo mundo é mesmo gay / O mundo está na minha mão’’.
Como em seu álbum anterior, Marina traz uma faixa instrumental: ‘‘Sua’’, onde em meio a piano e teclados melancólicos insere uma cuíca programada. A combinação de instrumentos tipicamente brasileiros com a eletrônica, aliás, percorre todo o CD. Os arranjos incluem peças de percussão jamais utilizadas anterioremte em seus discos como o ganzá de ferro, a caixa frevo, o guiro, o chicote e o pandeiraço.
DivulgaçãoSobre a concepção do disco e de outros assuntos, ela falou na entrevista que segue e que concedeu por telefone à Folha na última sexta-feira.