O reconhecimento é capaz de motivar as pessoas. Na arte, em razão das peculiaridades do País, sobretudo a falta de incentivo à cultura, ainda mais. Para o Ballet de Londrina, a indicação do espetáculo “Bora!”, por meio da APCA - Associação Paulista dos Críticos de Arte, nas categorias Coreografia/Criação e Elenco, representa ao menos um sinal de que a companhia de dança segue no caminho certo.

No ano em que o Ballet completa 30 anos, a indicação é significativa. São três três décadas de ousadia e invenção para um um reconhecimento que reúne e, literalmente, movimenta muitas pessoas. Os ganhadores serão oficialmente registrados em assembleia da APCA a ser realizada no dia 29 de janeiro. Na sequência, os nomes serão divulgados e a cerimônia para entrega dos prêmios acontece ainda dentro do primeiro semestre de 2024, mas sem data definida.

Do ponto de vista do diretor e ensaiador Ballet de Londrina, Marciano Boletti, as indicações são valiosas. "Um presente de aniversário para o Ballet de Londrina que também servem de afirmação da companhia no cenário nacional, ao nos colocar como uma das principais companhias do País," observa.

Dedicado e com perspectivas, avalia que o reconhecimento é positivo. "Vem nos dar a convicção que estamos no caminho certo, pois estamos trabalhando intensamente e acreditando muito no que estamos fazendo. Esse é um ano importante para a companhia, tivemos muitas apresentações, novas montagens, muitas viagens , um grande público nos viu e gostou muito do que assistiu, o balé foi bem recebido e muito aplaudido em todas as cidades , desde um grande teatro em São Paulo, até em uma pequena cidade do interior do Paraná", celebra.

BORA PARA ONDE?

A ideia para o projeto nasceu do fim para o começo. Em 2022, o coreógrafo Henrique Rodovalho aceitou o convite para coreografar os dez bailarinos e, de suas investigações sobre as relações humanas no nosso tempo, marcadas pela pós-pandemia, surgiu “Bora!”, que ele considera um de seus espetáculos mais leves e alegres, um chamado para ir adiante – como propõe a interjeição do título.

Mas também lança a enigmática pergunta: avançar para onde? Por meio desta aparente contradição, o espetáculo faz um estudo irônico e irreverente sobre o movimento do homem na pós-modernidade – contexto do fim das utopias e das relações líquidas.

A montagem propõe , por meio da dança, a esclarecer o estágio no qual viemos parar para fazer refletir sobre os elos sutis entre o milenar e o contemporâneo: da vida que nasce na água às relações líquidas; da molécula “que diz sim a outra molécula” ao indivíduo que precisa do outro, do grupo, para se integrar.

A estreia de “Bora!”, foi em 2022, no Festival de Dança de Londrina, e posteriormente cumpriu temporada na cidade. Em 2023, foram realizadas 30 apresentações que passaram por palcos de Londrina, Curitiba (abrindo a Mostra Paranaense de Dança) e por outros 10 municípios do Estado por meio de uma circulação pelo Profice (Programa Estadual de Fomento e Incentivo à Cultura). Também foram realizadas apresentações em São Paulo, São José do Rio Preto e Ourinhos. Em São Paulo, a apresentação foi no Teatro Antunes Filho, do Sesc Vila Mariana, nos dias 22 e 23 de julho de 2023.

ARTE PARA REFLEXÃO

Desde a primeira cena, “Bora!”, arrasta-nos freneticamente por uma sequência de fotografias cinéticas que revelam com ironia e irreverência a fragilidade das relações humanas no século XXI, entre o desejo de integração social e a necessidade de manter a singularidade. Os bits ora compassados e ora irregulares que se ouvem na trilha sonora, desde o momento do encontro do indivíduo com o grupo, conduzem, em fluxos e solavancos, personas perdidas em um mundo, ao mesmo tempo, hostil e afável.

Elas estão divididas entre a lógica do cardume – uma saída para se proteger em meio à grande violência da sociedade e uma resposta ao desejo de pertencimento – e a coragem de assumir suas identidades. Parece uma incoerência, mas, na era do individualismo e do elogio da solidão, somos levados por efeitos-manada, cujas consequências são difíceis de mesurar. Passa-se de vítima a carrasco, de hater a cancelado, na velocidade de um clique.

MÚSICA CONTAGIANTE

Animada pela música eletrônica do compositor japonês Aoki Takamasa e do multiartista português Komet, a coreografia contagia, apresentando-se, em alguns momentos, como uma sequência de fotografias cinéticas que revelam a fragilidade dos afetos no século XXI, entre o desejo de pertencimento e a necessidade de manter a individualidade. É possível identificar o “efeito manada” das redes sociais, que, ao mesmo tempo que garantem o sentimento de integração com grupos de pensamento parecido, é o ambiente da solidão, dos cancelamentos, das bolhas e dos haters.

O coreógrafo Henrique Rodovalho não esconde a sua surpresa diante da boa nova. "Nos apresentamos um único fim de semana em São Paulo e, além do prestígio do público, agora temos esse aceno da crítica especializada, motivo de felicidade. Sobre a indicação do elenco, também comemora e torce para que os bailarinos sejam premiados.

O cenário, assinado por Rodovalho e por Renato Forin Jr., leva ao palco estruturas luminosas que contornam um vazio branco reflexivo. Ele remete à imensidão do espaço virtual, como se os bailarinos dançassem sobre uma grande tela. Num átimo, os limites deste quadro se quebram e os movimentos do elenco contornam os leds, que flutuam em outro não-espaço – o da nuvem. Em contraste à dimensão espacial asséptica, tecnológica, os figurinos de Cássio Brasil, de São Paulo, trazem cores quentes, entre o ocre e o alaranjado, que apelam para a sedução do calor humano. Os cortes e as formas lembram a urbanidade e a juventude.