Jotabê Medeiros começou a admirar o trabalho de Raul Seixas (1945-1989) ainda na infância, quando vivia em Cianorte (noroeste do Paraná) após a família ter migrado da Paraíba. Décadas mais tarde, depois de cursar Jornalismo na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e iniciar a carreira profissional como repórter da Folha de Londrina, o paraibano que atualmente vive em São Paulo fez um dos mais profundos mergulhos já realizados na vida e obra de seu ídolo, que saiu de cena há exatos 30 anos. O resultado desta imersão pode ser conferido no livro “Raul Seixas: Não Diga que a Canção Está Perdida”, que acaba de ser lançado pela editora Todavia.

Segundo Jotabê Medeiros, Raul Seixas era um crítico ferrenho do autoritarismo, mas também teve proximidade com personagens sombrios da ditadura
Segundo Jotabê Medeiros, Raul Seixas era um crítico ferrenho do autoritarismo, mas também teve proximidade com personagens sombrios da ditadura | Foto: Marcos Machado/ Estadão Conteúdo

Jornalista e crítico musical com passagens por grandes veículos como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Veja São Paulo, entre outros, Medeiros se debruçou sobre a trajetória de Raulzito durante cerca de um ano e meio. “Fiz mais de 60 entrevistas, em on e em off, e pesquisei em diversos arquivos, públicos e privados. Também li boa parte dos mais de 80 livros já publicados com memórias de personagens da vida de Raul. A parte mais complexa é ouvir todos os discos de Raul e também os que ele produziu, que são muitos. Analisei cada canção, incluindo aí aquelas que ele fez para outras pessoas, outros artistas”, relata.

Ao longo de 416 páginas, a trajetória do autor de “Tente Outra Vez” é revivida desde os primeiros passos dados pelo cantor e compositor ainda na Bahia, onde nasceu. Para contar essa história, Medeiros vasculhou a cidade de Salvador em busca de vestígios daquele garoto classe média que era fã de Elvis Presley e colecionador de discos de rock. Visitou cenários dos primeiros shows, entre eles o "Cine Roma", lendário palco da rebeldia soteropolitana dos anos 1960.

Metamorfose ambulante

O jornalista também narra detalhes dos desafios enfrentados nos primeiros anos de carreira artística, quando Raul se mudou para o Rio de Janeiro e começou a atuar como produtor de discos e, ao contrário da figura de maluco beleza atribuída a ele anos mais tarde, vestia terno e gravata para trabalhar. Depois, o Brasil inteiro viria a contatar a versatilidade do artista que em 44 anos de vida assinou 312 canções divididas entre gêneros tão distintos quanto tango, country, baião, samba, acid rock, iê, iê, iê, marchinha, forró, folk, brega, xote, xaxado e balada.

“Raul é para mim, hoje, o artista mais completo da música brasileira do ponto de vista do domínio das circunstâncias criativas e também um notável compositor”, resume Medeiros ao comentar como vê o ídolo após a aproximação intensa com sua obra durante a produção do livro. Apesar da admiração que já tinha pelo artista, o escritor deixa claro que o objetivo do livro não é mitificar o biografado, e sim reconstruir a complexidade de sua trajetória. Segundo ele, o grande desafio foi buscar o ponto de equilíbrio entre a necessidade de ser imparcial e, ao mesmo tempo, fazer uma biografia que tivesse dentro de si tensão, ritmo, cadência. “Antes de tudo, trata-se de contar uma história, e qualquer descuido pode ser fatal, pode-se perder o sabor da narrativa”, afirma.

E complexidade é um elemento que não falta na personalidade de Raul Seixas, um personagem tão criativo quanto controverso. “Os problemas dele com a ditadura militar são os mais complexos, porque ele era um crítico ferrenho do autoritarismo, mas também teve uma proximidade com alguns personagens sombrios daquele período, como um segurança do Esquadrão da Morte”, aponta Medeiros.

Jotabê Medeiros: para escrever a biografia, autor fez mais de 60 entrevistas e revirou arquivos
Jotabê Medeiros: para escrever a biografia, autor fez mais de 60 entrevistas e revirou arquivos | Foto: Renato Parada/ Divulgação

Polêmica com Paulo Coelho

Um dos assuntos mais comentados dentre vários temas inéditos abordados no livro foi a suspeita de que Raul Seixas teria delatado ao Dops (Departamento de Ordem Política e Social) da ditadura militar em 1974 o parceiro letrista Paulo Coelho, com quem compôs os hits "Gita", "Tente Outra Vez", "Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás", entre outros.

“O fato mais polêmico foi a revelação de um documento no qual um policial diz que Raul poderia ajudar a polícia a localizar Paulo Coelho, que consideravam foragido. Acontece que Paulo tinha endereço fixo. Esse documento provocou muito debate. O livro não afirma isso, mas mostra que Paulo Coelho teve essa suspeita a vida toda. A história é inconclusiva”, ressalta Medeiros.

“Raul Seixas: Não Diga que a Canção Está Perdida” é a segunda biografia escrita por Jotabê Medeiros, autor de "Belchior, apenas um rapaz latino-americano'," livro lançado em 2017. O jornalista revela que pretende escrever outras biografias, mas que por questões de contrato não pode revelar quais serão. “Talvez, antes da próxima, publique uma história sobre meu pai, que fará 102 anos em abril de 2020”, adianta.

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Serviço:

Livro “Raul Seixas: Não Diga que a Canção Está Perdida” , de Jotabê Medeiros

Editora: Todavia

416 páginas

Ouça um dos grandes sucessos de Raul Seixas:

Gita