Depois de 40 adaptações animadas lançadas quase todos os anos desde 2001, finalmente chegou a hora: a primeira adaptação live-action de “Barbie” está estreando nesta quinta-feira (20), exclusivamente nos cinemas do planeta (streaming só bem depois), e imediatamente criando manchetes em vários níveis. Nenhuma dúvida: o filme ficará para a história do cinema com seu discurso reflexivo. E é disso que se trata.

No Barbieworld, reina a perfeição pura. E todos concordam, desde a Barbie padrão até a Barbie presidente, que eles garantiram um modelo iluminado e justo no mundo real. Mas quando a Barbie padrão de repente começa a andar com os pés chatos e as primeiras marcas de celulite começam a aparecer em suas pernas, fica claro que há algo errado e uma atitude deve ser tomada imediatamente. Então, Barbie decide resolver o problema pessoalmente e viaja pelo mundo real por conta própria para chegar ao fundo do problema. Através de Ken, seu companheiro não planejado, ela constrói o tecido social de seu próprio mundo em sua consciência.

Embora no 'Barbieworld' reine a perfeição, a nova versão cinematográfica  vai além da história superficial da boneca padrão
Embora no 'Barbieworld' reine a perfeição, a nova versão cinematográfica vai além da história superficial da boneca padrão | Foto: Warner Bros./ Divulgação

Mas não é exatamente essa história superficial que está em questão, mas sim o encadeamento interminável de desigualdades de gênero, que parecem absurdas pela inversão de problemas, provocam boa quantidade de risos e, ao mesmo tempo, diante da verdadeira sátira, colocam o espectador em estado de semichoque. Depois de derrubadas pelo clube feminista, as estruturas patriarcais desferem o golpe mortal no público.

O roteiro tropeça de vez em quando, mas pouco. Embora a inversão mencionada seja um movimento inteligente para trazer à mente a superioridade patriarcal ainda existente, ela também contradiz a ideia feminista básica do filme. Essa contradição só é finalmente resolvida nos últimos minutos sentimentais. Além disso, o filme aborda diligentemente as indústrias e coroa tudo com uma autocrítica capitalista em relação à empresa Mattel.

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O receio de acontecer um filme bobo, polarizador e sem objetividade era grande de antemão. E a surpresa: o que é agradável sobre “Barbie” é que a diretora Greta Gerwig e seu coroteirista e parceiro de vida Noah Baumbach não perdem tempo correndo pelas cenas que você pode antecipar e para as cenas que você não esperaria. Seu conto de fadas exuberantemente excêntrico tem um pouco do surrealismo sombrio e cheio de angústia do Charlie Kaufman de “Quero Ser John Malkovich” e a estranheza meticulosa de Stanley Kubrick – sim, acredite, isto é possivel e funciona. Mas “Barbie” não se detém nas referências cinematográficas, citando, copiando e satirizando filme após filme.

Conduzida pela voz em off de Helen Mirren, “Barbie” é uma história subversiva sobre o desenvolvimento muita vezes questionável de produtos da maior fábrica de brinquedos do mundo, a californiana Mattell, e uma sátira desenfreada ao sexismo e à opressão patriarcal. Alguns espectadores mais jovens – ou seja, aqueles que ainda estão na idade de comprar uma Barbie – podem até ficar confusos, mas Gerwig, com sua habitual e ferina sinceridade, garante na tela um filme que é sempre uma comédia alegre, divertida e aberta a uma reflexão de maior peso – para isso, ela sugere que está sempre presente um feroz subtexto crítico.

Felizmente, a diretora (“Adoráveis Mulheres”, “Lady Bird”) mostra que sua maneira bem humorada e irônica de interpretar e adaptar a realidade pode ser confiável. Sem medo de engano, é possivel rir em nível bem satisfatório e navegar por uma gama interessante de emoções. A harmonia da atuação de Margot Robbie e Ryan Gosling deve ser considerada como um dos pontos cruciais. O retrato contrastante da desconstrução do sucesso econômico da Barbie e do império Mattel, e o reflexo patriarcal e feminista resultante da realidade formam uma combinação elogiável, porque acima de tudo inteligente.