A poesia possui muitas moradas. Visíveis ou invisíveis. Instantâneas ou perenes. Para a poeta londrinense Flavia Quintanilha, existe uma morada para a poesia que merece uma atenção especial: a morada do olhar.

Em seu novo livro, “Desabotoar”, que acaba de ser lançado pela editora Patuá, Flavia Quintanilha propõe uma poesia que não apenas se serve da palavra, mas uma “poesia em sentido amplo e originário da palavra”.

Para a autora, o livro oferece “a teia da vida alinhavada pelas mãos da Filosofia, do Zen Budismo e do Amor”. No sentido poético, “Desabotoar” assume a forma de “uma espécie de desabrochar, um desnudar-se”.

Com poemas publicados em várias antologias e revistas literárias, Flavia Quintanilha é autora de “A Mulher que Contou a Minha História” (Kotter, 2018). Atualmente divide seu tempo entre Londrina e a cidade de Coimbra, Portugal, onde finaliza tese de doutorado em filosofia. A seguir a autora fala sobre “Desabotoar”, seu novo livro.

A filosofia está presente em sua poesia?

A filosofia sempre está presente em meu olhar poético e, principalmente, neste livro ela tem sua representação mais contundente. Concordo com Octavio Paz quando afirma “o poeta não descreve a cadeira: coloca-a diante de nós”. Gosto de pensar que, assim como o poeta, o filósofo também tem este papel. O de desvelar o óbvio. Este livro tem, sem dúvida, uma presença fortíssima da filosofia. O que não poderia ser diferente. Veja, na página 7 tenho um tratado completo do existencialismo, na 11 a filosofia toda com o problema da consciência com o “si”, na 13 o essencialismo, na 15 a vida, na 17 o outro e o problema da significação, metapoesia nas páginas 35 e 47, alienação e perda do eu na página 39, o feminismo nas páginas 37, 75 e 81 e por fim uma crítica ao ativismo e à própria filosofia na página 91. Olhando por este viés a filosofia é o grande fio condutor para olhar a vida, o que reflete em minha poesia. Mas se eu a colocasse como um “tema” perderia sem dúvida toda a beleza.

O amor aparece como temática recorrente em “Desabotoar”. Você acha que o amor continua sendo o grande tema da poesia?

Gosto de pensar que o olhar da pessoa que lê é o que faz a obra, mas corro o risco de ter o “Desabotoar” lido como poemas românticos, se é isto a que se refere quando fala “amor”. Mas eu recomendaria amorosamente, se isto acontecer, que de tempos em tempos o livro seja relido. Pode-se surpreender com terceiras, quartas ou quintas leituras. O que quero dizer é que cada livro, além do olhar determinado e determinante do leitor, carrega uma alma… Aquilo que o poeta se deixou dizer. Entretanto, penso que é necessário haver o amor para se falar de dor, de perdas e das coisas mais miúdas da vida. É pelo amor que se vê beleza em tudo isto. É com amor que se sobrevive a tudo isto. E daí, partindo deste princípio, sim o amor pode ser o “grande tema”, pois a poesia e o amor são grandezas co-originárias.

Na verdade não pensei no “amor romântico”, mas amor em seu sentido mais amplo...

Sim, entendo. Então mais uma vez voltamos a filosofia, pois o amor é uma questão fundamental da vida humana e está na origem da reflexão do pensamento grego. Buscamos explicá-lo, o amor, de todas as maneiras, não é mesmo? E nesse sentido, sim ele é recorrente em meus poemas em sua profundidade. Como afirmei antes, poesia e amor são grandezas co-originárias, ou seja, penso ambos como inseparáveis. É preciso amor para ver o poético, assim como é necessário poesia para que o amor floresça.

Você considera que há uma finalidade para a poesia?

O que posso dizer é que não. Veja, eu não estou levantando uma crítica aqui a quem use a poesia para questões panfletárias e sim que a vejo como coisa em si, ou seja, que ela existe e sempre existirá independente de o sujeito a perceber. Que ela está nas coisas e não é “útil”. Se posso aqui chamar o Leminski para a conversa digo que concordo como ele aborda a função da poesia em seu texto “Inutensílio”. Lá ele diz: “O amor. A amizade. O convívio. O júbilo do gol. A festa. A embriaguez. A poesia. A rebeldia. Os estados de graça. A possessão diabólica. A plenitude da carne. O orgasmo. Estas coisas não precisam de justificação nem de justificativas”.

Os poemas de “Desabotoar” abordam sensações simples, breves e profundas. Por quê?

Porque tudo é poesia. Entendo a poesia num sentido amplo e originário da palavra, não apenas a que se serve da palavra. Por esta razão tenho uma máxima “a poesia mora no olhar”.

A pandemia de Covid-19 mudou muita coisa no mundo e nas pessoas. Você acredita que a poesia poderá não ser a mesma após a pandemia?

Já não sou a mesma desde a primeira pergunta desta entrevista (risos). Meu próximo livro é muito diferente do “Desabotoar”. Quem sabe entre Parmênides e Heráclito este estava com a razão, se brincarmos com a dita filosofia de manuais. Mas quanto ao que ainda estamos passando com a pandemia, certamente ninguém sairá ileso com tantas dores e mortes. Mas é um processo ainda ao qual estamos sujeitos. Não poderia falar conclusivamente sobre algo que ainda está acontecendo. Muitos bravejam sobre a grande mudança humana. A respeito disto não vejo assim. Percebo que será pessoal, individual, nada coletivo, mesmo o problema sendo de todos. Falar em mudança da humanidade é trair o que penso sobre a existência. É afirmar que a humanidade possui uma essência, o que não acredito. O que posso afirmar é que sim, minha poesia manifesta o que sou no agora do olhar, sem propósito didático, ativista ou messiânico.

Serviço:

“Desabotoar”

Autora – Flavia Quintanilha

Editora – Patuá

Páginas – 96

Quanto – R$ 40