Na década de 1970, por sua atuação do grêmio estudantil do colégio, Clarice é presa por militares acusada de subversão. Grávida, sofre uma série de torturas na prisão. Logo após dar à luz, a recém-nascida Vitória é sequestrada pelo diretor da penitenciária.

Clarice e Vitória, mãe e filha separadas pela arbitrariedade e pela brutalidade, são as personagens principais do novo romance do escritor londrinense Moacyr Eurípedes Medri. Lançado pela editora Madrepérola, “Vitória” narra a história de duas gerações de mulheres enfrentando todo tipo de desventura e sofrimento com a esperança nos olhos.

Autor de “Da Cor da Terra” (2010), “Cheiro de Chuva – Contos e Causos” (2013), “Travessia – A Felicidade Não Mora ao Lado” (2016) e “Pedras, Paus & Pétalas” (2019), Moacyr Medri fala a seguir sobre seu novo romance.

Em “Vitória” você apresenta uma história de superação de mulheres de duas gerações, mãe e filha. Uma história em que dor e sofrimento são superados pela esperança. Você considera a esperança uma possibilidade de salvação?

Há que termos utopias. Transpor uma barreira pode não ser nada para uns, mas significante para outros. Faço todos os dias alguma aventura sem, quase sempre, não dar conta de que esteja acontecendo. O fato da felicidade nem sempre morar ao nosso lado, explica essas nossas travessias ao longo dessa nossa odisseia humana. Faríamos sem nos esperançar? Nossa espécie chegou até aqui por conta de, todos os dias, ousar. Esperançar é preciso. Também o é a salvação. Estar de pé numa margem segura, depois de quase naufrágio, é inenarrável.

“Vitória” é um romance onde as mulheres possuem o protagonismo de seus destinos. Por que a escolha em escrever uma história de mulheres?

Em meus dois romances anteriores as mulheres também ocupam boa parte das tramas. Dar voz às mulheres nesse momento em que atravessa nosso país, onde o poder central exalta o homem e diminui a mulher, é necessário e oportuno. Vemos todos os dias discursos machistas, misoginias e feminicídios. “Vitória” é somente um romance, podem afirmar. É, mas não é pouco. Por seu meio posso multiplicar consciências, despertar sensibilidades e emoções. Posso arrastar vozes e vez às mulheres. “Vitória” é um grito, é esclarecimento. Também é um pedido de socorro. Quantas crianças, meninos e meninas, não estão, bem agora, em situação de rua, a pedir socorro?

Em seus livros você geralmente aborda temas sociais recorrentes na história do país. Por que a escolha por temas como racismo, preconceito, violência política, desamparo infantil e invisibilidade social?

Minhas escolhas se fizeram e fazem, sobre tudo, pelas indignações. No romance “Travessia: A Felicidade Não Mora ao Lado”, há amor e ódio. Há esperanças, vitórias e também fracassos. Patrões e empregados, mão escrava. Italianos atravessaram o oceano Atlântico em busca da felicidade em terras de Ibiporã.

Em “Pedras, Paus e Pétalas”, duas professoras negras, numa escola rural, ao descerem do ônibus, não foram reconhecidas como tais. Pretos e pretas eram trabalhadores braçais, nunca, por essas bandas, professoras, professores. Em “Vitória”, Clarice dá a luz a uma menina dentro de uma cela de penitenciária. Por dirigir o jornal no seu grêmio estudantil, ser ativista, torna-se uma presidiária. Ela sai durante um motim, mas a filha de três dias é retida propositalmente. Escrever “Vitória” foi-me instrumento de denúncia, grito, sobre tudo porque, hoje, infelizmente ouvimos muitos do nosso lado a dizer que não houve ditadura militar no Brasil, que tudo foi muito bom, pacífico, sem quaisquer atrocidades. Tanto que clamam por sua volta.

Moacyr Medri: "Escrever 'Vitória' foi-me instrumento de denúncia, grito, sobre tudo porque, hoje, infelizmente ouvimos muitos a dizer que não houve ditadura militar no Brasil"
Moacyr Medri: "Escrever 'Vitória' foi-me instrumento de denúncia, grito, sobre tudo porque, hoje, infelizmente ouvimos muitos a dizer que não houve ditadura militar no Brasil" | Foto: Natalia Perezin/ Divulgação

Recentemente os bastidores das atrocidades da ditadura militar vieram à tona com exemplos reais. Você considera que os crimes de Estado cometidos pelos militares durante a ditadura foram resolvidos ou apenas empurrados para debaixo do tapete?

Considero que os crimes não foram resolvidos. O acordo feito depois de 21 anos de ditadura foi ruim. Com a derrota da emenda Dante de Oliveira, que percorreu o país por eleições diretas, Tancredo Neves surge como um dos mais fortes à sucessão presidencial. Setores o acusavam de defender uma transição democrática pactuada com os militares. Parlamentares mais à esquerda foram orientados a não votarem em Tancredo no Colégio Eleitoral. Ainda assim, foi eleito. Mas, tragicamente, poucos dias de iniciar seu mandato, veio a falecer. José Sarney, seu vice, homem de confiança dos militares, assume. Sarney foi o facilitador para que os crimes da ditadura ganhassem os tapetes.

Durante décadas você atuou na educação em todas suas etapas. Como aconteceu seu interesse pela literatura?

No ensino médio fui surpreendido por marcantes aulas de literatura. Cheguei a pensar, sonhar em fazer um curso de Letras. Entretanto, tornei-me biólogo pela UEL, mestre e doutor em Botânica pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA. Com o chegar da aposentadoria na Universidade Estadual de Londrina, poderia dedicar-me ao sonho literário lá do ensino médio. Assim nasce o primeiro livro, “Da Cor da Terra”, de causos. Depois vem o segundo, “Cheiro de Chuva” também de causos. Em seguida os dois romances já referidos. E agora “Vitória”.

Em 2019 fui convidado a fazer o lançamento de “Pedras, Paus e Pétalas” em Manaus, e uma palestra, dentro do mesmo anfiteatro onde defendi minha dissertação de mestrado e depois minha tese de doutorado. Queriam, os pesquisadores, compreender porque, depois dos quase 70 anos, ousar a escrever literatura brasileira. A literatura me vem por ser observador de tipos humanos. Também de muita indignação por tantos problemas sociais que se arrastam por décadas, como pobreza, racismo, violência política, discriminação de gênero, desamparo infantil, invisibilidade, entre outros.

Imagem ilustrativa da imagem Autor londrinense lança livro sobre as vítimas da ditadura
| Foto: Reprodução

Serviço:

“Vitória”

Autor – Moacyr Eurípedes Medri

Editora – Madrepérola

Páginas – 196

Quanto – R$ 50,00

Onde Encontrar – Site da Amazon

ou pelo e-mail [email protected]