São Paulo - Nos filmes de terror, as mocinhas costumam conquistar o público pela aflição que causam ao fugir de criaturas sobrenaturais ou assassinos em série, gritando desesperadas a plenos pulmões por um socorro que parece nunca chegar. Mas algumas dessas protagonistas não são tão indefesas assim. É o caso de Thomasin, a camponesa do século 17 de "A Bruxa".

A jornada de adolescente inocente e enigmática a mulher com personalidade e forte presença parece emular a da própria atriz que a interpretou, Anya Taylor-Joy. Quando estreou nos cinemas em "A Bruxa", em 2015, ela e o longa foram engolidos por elogios de crítica e público, que rapidamente transformaram a tímida atriz numa estrela em ascensão de Hollywood.

De lá para cá, seu rosto vem aparecendo com frequência nas telas. Ela estrelou filmes independentes que foram sucessos modestos, como "Emma" e "Barry", e também orçamentos robustos de grandes estúdios, como "Os Novos Mutantes", adaptação dos quadrinhos da Marvel. Agora, no streaming, ela parece ter alcançado uma audiência ainda mais ampla e variada.

Em outubro, chegou ao catálogo da Netflix a minissérie "O Gambito da Rainha", sem muito alarde e com uma ambientação - o universo do xadrez - que parecia pouco estimulante para o público mainstream. Críticas esfuziantes logo trataram de pôr a produção nos rankings de mais vistos em vários países - foram 92, entre eles o Brasil.

O repentino sucesso resultou no recorde de minissérie de ficção mais vista de toda a história da Netflix, com 62 milhões de assinantes apertando o play para ver "O Gambito da Rainha" em seus primeiros 28 dias de existência.

É inegável que a série foi bem recebida, o que não surpreendeu em nada Taylor-Joy.

"Isso é engraçado, porque me perguntaram outro dia se eu tinha aceitado esse papel porque sabia que a minissérie seria a número um no mundo. Eu respondi 'sim, é claro'", diz ela, fazendo piada. "Mas o sucesso vem do fato de essa história não ser só sobre xadrez. O xadrez é o mundo em que ela se passa, mas a minissérie fala sobre uma pessoa oprimida que supera os obstáculos - e isso é algo universal."

Nascida em Miami, a atriz de 24 anos diz que o sentimento de não pertencimento a acompanhou por boa parte da vida, como acontece com a sua nova personagem, que é órfã, sem raízes, e se sente deslocada dentro do universo hipermasculinizado do xadrez.

A mãe de Taylor-Joy é da Zâmbia, enquanto o pai é um escocês que se aventurou por diversas carreiras. Por causa dessas mudanças, ela passou parte da infância em Buenos Aires até a família ser transferida para Londres. Ao falar da Argentina, seus olhos brilham e um sorriso rasga seu rosto - "sinto falta de falar espanhol toda hora", lamenta.

Taylor-Joy reconhece um padrão nos personagens que ela vem interpretando. Segundo ela, são todos forasteiros, com excentricidades e jornadas pessoais intensas, que desafiam convenções. Foi ao lado deles que ela construiu a sua fama, num caminho oposto ao tomado por boa parte dos aspirantes a astros de sua geração, habitués das comédias românticas e séries criadas para os adolescentes.