São Paulo, 01 (AE) - Será amanhã (02), em Roterdã, a estréia mundial de "Através da Janela", o esperado segundo longa-metragem de Tata Amaral. O filme será visto num dos mais interessantes festivais de cinema independente do mundo. "Aliás
no mais interessante deles", segundo opinião da diretora, que conversou com a reportagem antes de embarcar para a Holanda. Para Tata, o mais badalado dos "indies", o Festival de Sundance, mudou de configuração. "Já é muito procurado pelos produtores de Hollywood, está hoje mais preocupado com as exigências imediatas do mercado", diz.
O longa de estréia de Tata, "Um Céu de Estrelas", foi sucesso de crítica no Brasil e também muito comentado pelos festivais por onde passou, Roterdã entre eles. Daí a expectativa pela continuação de seu trabalho como cineasta. Em "Através da Janela", Tata diz aprofundar a pesquisa em torno do trágico, iniciada com o primeiro longa-metragem. No centro da trama, a delicada relação entre mãe e filho, Selma (Laura Cardoso) e Raí (Fransérgio Araújo) que vivem sós em um sobradinho de classe média. O pai já morreu. Há algo de levemente edipiano na relação. Nada muito explícito. Selma é a provedora. Mas também aquela que pretende assumir controle absoluto sobre a vida do filho. Aquele tipo de opressão familiar comumente disfarçado sob a forma de amor. "Acho que, no fundo, Através da Janela é mais cruel do que Um Céu de Estrelas", diz a diretora. Afirmação surpreendente, pelo menos para quem se lembra do primeiro longa-metragem. Nele, um drama sangrento se desencadeia quando uma cabeleireira da periferia paulistana resolve romper seu noivado ao ganhar uma passagem para Miami. Agora, o que movimenta a trama é outra coisa.
Ao longo de cinco dias, Selma vai notando que existe toda uma parte da história de Raí que desconhece. Essa revelação é feita aos poucos - à personagem e ao público. Tata usa um método de repetição. Cada dia começa do mesmo jeito que o anterior, com pequenas diferenças, como numa música minimalista. A técnica de filmagem vai surpreender os fãs de "Um Céu de Estrelas". Neste, Tata caprichava na câmera ágil, instável, acompanhando o desequilíbrio emocional das figuras em cena. Em "Através da Janela", vê-se quase todo o tempo uma câmera "tranquila", estável, bem-comportada sobre o seu tripé.
"O método de filmagem é determinado pela história a ser contada, não um valor em si", afirma a cineasta. De fato, afinar seu instrumento de trabalho em função daquilo que a temática pede é obrigação número um de um diretor. Mas não se pense que à "estabilidade" visual das cenas corresponda um mundo plácido e seguro. Ao contrário. A cada volta do ponteiro, a cada dia que passa e na aparência começa do mesmo jeito, percebe-se um mundo prestes a desmoronar.
O quietinho Raí começa a sair do regaço materno. A mãe não tem elementos para decodificar - e menos ainda para evitar - esta fuga. Ao mesmo tempo, os indícios a levam a pensar no pior, o que não chega a ser pessimismo da sua parte. Esse mundo em instabilidade, no qual os personagens não dominam seus destinos, é o da tragédia, uma opção estética da diretora e da equipe que trabalha com ela, em especial os escritores Fernando Bonassi e Jean-Claude Bernardet. Participantes - A estréia mundial de "Através da Janela" não será a única atração brasileira em Roterdã: outros 16 filmes nacionais participam do evento. Entre eles, os longas-metragens "Santo Forte", de Eduardo Coutinho, "Dois Córregos", de Carlos Reichenbach, e "Orfeu", de Cacá Diegues. O diretor Julio Bressane ganhará uma retrospectiva com seis filmes de sua autoria, do clássico "Matou a Família e Foi ao Cinema", ao mais recente, "São Jerônimo". (L.Z.O.)