ATIVIDADE - A liberdade é de expressão
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 15 de fevereiro de 2005
Ana Paula Nascimento<br> Reportagem Local
Regras, grades, algemas e também talentos aprisionados. Tudo isso faz parte do dia-a-dia da Penitenciária Estadual de Londrina (PEL), que desde o ano passado integra o projeto ''Criando a Liberdade'' responsável por desenvolver oficinas teatrais com o apoio do Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic) junto aos internos da instituição.
À princípio, o objetivo do trabalho era se restringir à prática das oficinas, mas o interesse foi tão grande que três montagens foram produzidas pelo grupo. Nos encontros semanais, que duravam o dia inteiro, técnicas de teatro de rua que incluem improvisações de voz, interação entre público e atores, performances individuais, além de jogos dramáticos, buscando ampliar a capacidade de expressão dos praticantes da arte de representar.
Em um cenário tão inusitado, os coordenadores do projeto contaram que no início o ambiente e a maneira como os internos tinham que se comportar chocavam. Cabeças baixas e gestos contidos eram comuns, como medida de segurança. Um abraço poderia ser motivo até para castigo. ''O jeito foi conscientizar a questão do contato físico e explicar para a direção da penitenciária que isso era importante no trabalho teatral'', explicou Letícia Ferreira, que junto com Ed Sombrio é responsável pela coordenação do projeto.
No início do trabalho 80 pessoas se inscreveram para frequentar as oficinas, que foram concluídas com 20 pessoas. E as histórias são diferentes. Alguns não se adaptaram, outros foram transferidos ou passaram para o regime semi-aberto, o que impede o ex-interno de manter contato com os que continuam na instituição e, consequentemente, participar das oficinas. Isso aconteceu com um dos internos escalados para cantar em uma das apresentações. Como solução, a sua voz foi gravada e sua participação ficou garantida.
As apresentações são restritas à penitenciária e aos familiares dos internos. Todas as galerias puderam assistir às montagens, inclusive as que mantêm os internos considerados mais perigosos. Segundo os coordenadores, o teatro acabou gerando um elo de respeito entre os internos de diferentes setores da penitenciária, que devido ao projeto aprenderem a conviver de forma mais harmoniosa. ''Isso foi muito interessante e a própria psicóloga da instituição destacou que o nosso trabalho teatral conseguiu promover um melhor senso de cooperação e respeito mútuo que há anos a instituição vinha tentando estimular'', ressaltou Sombrio.
O respeito, aliás, é a base do trabalho. Desde o início, os participantes são levados a praticar um diálogo franco. ''Não deixamos de corrigir ou dizer que não gostamos de alguma atitude entre nós só porque eles estão presos. Nos tratamos com um grande senso de igualdade'', disse Letícia.
Sobre a experiência de trabalhar com um público tão diferenciado e marginalizado, a dupla de jovens atores contou que é surpreendente a quantidade de pessoas talentosas que encontraram. Ambos, antes desse projeto, deram aulas de teatro para crianças em situação de risco, e afirmam que é a outra ponta de uma triste história que quase sempre tem a criminalidade como fim.
''A maioria das pessoas que estão presas não tiveram nenhuma oportunidade para serem diferentes, foram crianças abandonadas e acho que é papel da sociedade, agora, tentar oferecer algo que transforme a realidade delas. Levamos o teatro a sério, como uma capacitação profissional para eles, e acreditamos que muitos poderão dar continuidade a esse trabalho quando saírem daqui. Trabalhamos para que sejam multiplicadores do teatro'', afirmou Letícia.
E algumas mudanças já podem ser sentidas. Além da melhora da qualidade do comportamento, alguns internos voltaram a estudar para aprender a ler e ter mais facilidade para compreender e decorar os textos.
Depois de um mês de férias, o projeto retorna este mês, de forma voluntária. Reeinscrito no Promic, caso seja aprovado novamente, o projeto irá incluir a elaboração de um livro sobre o trabalho com a participação do jornalista e escritor Marcos Losnak.