Astrojildo Pereira (1890-1965) foi um militante político incansável. Foi também um talentoso crítico cultural. Sua trajetória se confunde com os grandes acontecimentos históricos do Brasil no século 20. Neste ano que marca o centenário do Partido Comunista do Brasil, fundado em 25 de março de 1922, a vida e a obra de Astrojildo merecem novo destaque.

Sua fé nas lutas sociais foi tão intensa que acabou traduzindo sua própria existência. Inquieto e radical desde a juventude, Astrojildo Pereira passou por muitos aprendizados políticos. No início do século passado, na condição de democrata incorrigível, participou da campanha civilista de Rui Barbosa à Presidência da República. Diante da radicalização da ação conservadora no país e no mundo, aderiu às ideias anarquistas. Em 1911, num navio, partiu para a Europa, de onde trouxe inúmeros livros. De volta ao Brasil, dedicou-se integralmente ao movimento ácrata.

Astrojildo Pereira trabalhou em vários veículos da imprensa independente. Era dono de uma escrita fina, elegante e extremamente cativante; deixava-se fisgar pelo tema de seus textos e neles transbordava paixão. Ainda muito garoto, sabendo que Machado de Assis estava doente em casa, visitou o bruxo do Cosme Velho. Diante do mestre, ajoelhou-se e beijou-lhe a mão. Entrou e saiu sem dizer o nome. Sua relação íntima com a obra de Machado de Assis explica muito de seu talento para a vida literária.

A partir da década de 1920, Astrojildo foi se tornando, pouco a pouco, socialista. Sob impacto da Revolução Russa de 1917 e encantado com o que estava acontecendo na recém-fundada União Soviética, aderiu ao comunismo e foi um dos nove fundadores do Partido Comunista do Brasil (PCB).

Astrojildo Pereira
Astrojildo Pereira | Foto: Reprodução

O PCB, muitas vezes dogmático e intransigente, impunha rígida disciplina aos seus membros. Astrojildo lutou muito para dar ao partido feições mais abertas e democráticas. Por fim, depois de muito sofrimento, deixou o PC em 1931. Voltaria em 1945, após pesada autocrítica e na condição de intelectual responsável por criar uma política cultural para os comunistas. Durante seu “exílio” (sem jamais abandonar a militância) dedicou-se ao comércio de frutas e à sua grande paixão: a literatura. Nunca mais fora dirigente nem esteve entre os grupos decisórios da agremiação.

Após 1956, com os processos de “desestalinização” do PCB, pôde dirigir duas importantes publicações, “Literatura” e “Estudos Sociais”, ambas fundamentais para os novos ares que ganhavam lugar entre os comunistas brasileiros. Astrojildo Pereira publicou em vida cinco livros – inclusive um intitulado “Machado de Assis” –, todos, agora em 2022, reeditados pela Boitempo Editorial, em belíssimo acabamento gráfico.

O golpe militar de 1964 ainda atingiria Astrojildo Pereira. Após um tempo na clandestinidade, apresentou-se ao comandante de um dos Inquéritos Policiais Militares em que era citado. Foi interrogado sobre toda a atividade de sua vida desde o início do século 20. Foi solto pouco antes de sua morte, em janeiro de 1965. Tornou-se, então, imortal.

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