No dia 10 de dezembro de 1987, aniversário da cidade, sete homens invadiram a agência central do maior banco de Londrina, mantendo mais de 300 pessoas como reféns ao longo de sete horas. Do lado de fora, cerca de 5 mil pessoas gritavam a favor dos bandidos contra o governo Sarney. Os assaltantes exigiram 30 milhões de cruzados, estimados em cerca de 10 milhões de dólares à época, que foram coletados de banco em banco em toda cidade. Após horas de negociação, a quadrilha fugiu com um valor aproximado do exigido e levando 14 reféns. Trinta e um anos depois, essa história mirabolante do assalto ao extinto Banestado, em Londrina, vai parar nas telas de cinema. O documentário "Isto (não) é um Assalto", uma produção da Kinopus com direção de Rodrigo Grota, terá sua pré-estreia no próximo dia 21 de novembro, às 20h, na Sala 5 dos Cinemas Lumière.

Saída dos reféns após o assalto: para recuperar imagens da época, o arquivo da Folha de Londrina foi fundamental, bem como o acervo pessoal de alguns fotógrafos
Saída dos reféns após o assalto: para recuperar imagens da época, o arquivo da Folha de Londrina foi fundamental, bem como o acervo pessoal de alguns fotógrafos | Foto: Arquivo Folha de Londrina



O filme mostra o mais longo sequestro de um grande número de pessoas na história criminal brasileira que, após um semana de fuga, teve o desfecho com seis dos sete assaltantes presos. Este primeiro filme é um documentário, já o segundo, o longa "Isto é um Assalto", será um filme de ficção. Segundo Grota, a ideia do documentário surgiu há 20 anos, quando ouviu a história da boca do jornalista Paulo Ubiratan, uma figura de destaque no episódio do assalto. "Em 1998, quando era estudante de Jornalismo na UEL, conheci o Paulo Ubiratan, que já era uma espécie de lenda do jornalismo local. Ele me contou do assalto, de todas as suas contradições e singularidades. Sabendo que eu gostava de cinema, me disse: 'Guri, um dia você tem que fazer um filme sobre esse assalto'". O jornalista, que trabalhava na Folha de Londrina, foi peça chave no encerramento do assalto. Entrou na agência, negociou a saída de reféns e ficou ele mesmo como refém até o fim, inclusive na fuga.

Em 2012, dois anos após o falecimento de Paulo Ubiratan, Grota retomou o projeto com força total, apesar de ter tido orçamento aprovado pelo Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura) de um curta metragem, de apenas R$ 45 mil. E, para começar a tirá-lo do papel, teve auxílio inicial da pesquisa de Roberta Takamatsu, que não mediu esforços para tentar localizar o maior número possível de pessoas que, de alguma forma, estiveram envolvidas no assalto. "Fomos a diversos programas de rádio e televisão para anunciar que estávamos à procura dessas pessoas. Entramos em contato com os ex-funcionários do Banestado, cuja lista de nomes e telefones estava no sindicato. Também criamos uma página no Facebook, por onde recebemos diversos contatos. Enfim, depois de tudo isso, procuramos a todos para ouvir as histórias e fazer uma primeira seleção", pontua o diretor. Após esta primeira etapa, começaram a coletar os depoimentos em forma de gravação, que começou em 2015 e seguiu até dezembro do ano passado, quando "Moreno", personagem principal, topou falar.

Londrina viveu momentos de tensão durante o assalto seguido de sequestro que durou sete horas
Londrina viveu momentos de tensão durante o assalto seguido de sequestro que durou sete horas | Foto: Arquivo: Folha de Londrina



Com produção de Guilherme Peraro, assistência de direção dos jornalistas Lucas Pullin e Rafael Ceribelli, e assistência de produção de João Mussato e Renata Cabrera foram entrevistadas mais de 50 pessoas que resultaram em 30 horas de material. Dentre elas, peças fundamentais como Mauricio Kalau Gonzales, um dos reféns que teve uma metralhadora apontada para a cabeça durante quase todo o sequestro; ou como o gerente regional José Cotello, que foi o responsável por buscar o dinheiro em todos os bancos; ou, ainda, de Valdecir Saturnino Flor, que tinha ido ao banco buscar dinheiro para pagar a festa de casamento. "Tentamos apresentar o episódio por diversos pontos de vista de quem esteve lá: reféns, policiais, população e, também da imprensa, que teve um importante papel no registro do assalto", comenta ele, acrescentando que muitas informações do filme são fruto de matérias jornalísticas e processos criminais. A trilha sonora foi criada por Rodrigo Guedes, com 13 faixas.

Manchete sobre o dia do assalto reproduzia  o 'dia de cão' vivido pelos londrinenses
Manchete sobre o dia do assalto reproduzia o 'dia de cão' vivido pelos londrinenses | Foto: Arquivo Folha de Londrina



Entre outras entrevistas de destaque estão os escritores Domingos Pellegrini Jr. (autor do livro-reportagem "Assalto à brasileira" (1988), que reconstrói o caso) e Rogério Ivano, os jornalistas José Maschio, Nicéia Lopes e Raquel Rodrigues, os policiais Paulo Magalhães, Pedro Marcondes, Wanderci Corral Fernandes, Tânia Prado e Bruno Ubiratan, viúva e filho de Paulo Ubiratan. "Todos esses depoimentos foram fundamentais para costurar essa história. Mas, tínhamos muito poucas imagens da época. Tivemos dificuldade em encontrar imagens de arquivos do final dos anos 1980 de Londrina. Por isso, as matérias jornalísticas da Folha de Londrina, seja pelos textos ou pelas fotos, incluindo arquivo que não foi publicado na época, tem um papel importante neste documentário. Também tivemos a contribuição da RPC TV Londrina (afiliada da TV Globo), que nos cedeu cinco minutos de imagens gravadas, além de material das rádios Paiquerê e CBN Londrina, e o acervo pessoal de fotógrafos como Christian Steagall-Condé e Milton Doria."

O protagonista
Apesar de terem sido sete assaltantes, um deles era o líder. Conhecido pelo apelido de Moreno, foi retratado como um homem polido e sedutor. Preso em 1987, ficou 19 anos na prisão. "Ele raramente comentou o episódio com a imprensa, o que motivou muitas especulações sobre a motivação do assalto. Depois de muito tempo, quando já caminhávamos para a conclusão do documentário, ele aceitou falar, porém, sem mostrar o rosto. O depoimento dele era o que faltava para abordarmos todos lados", diz Grota sobre a conversa de quatro horas. Neste depoimento, Moreno comenta a sua infância, a passagem por um orfanato, o início no mundo do crime, e os bastidores dos principais momentos do assalto. Hoje, ele leva uma vida modesta e trabalha com pequenas obras na construção civil e na igreja da qual participa.

Cartaz do documentário 'Isto (não) é um Assalto' que precede o filme 'Isto é um Assalto" que está sendo produzido
Cartaz do documentário 'Isto (não) é um Assalto' que precede o filme 'Isto é um Assalto" que está sendo produzido | Foto: Reprodução