Baseado em personagem real, a mística católica e freira lésbica do século XVII Benedetta Carlini, com roteiro adaptado do livro “Immodest Acts: The Life of a Lesbian Nun in Renaissance Italy”, de Judith C. Brown, tem a marca de um filme biográfico de

época, embora essa obviamente não fosse a intenção principal do cineasta holandês Paul Verhoeven (o criador do primeiro “Robocop”, “O Vingador do Futuro”, “Instinto Selvagem”, o cult “Showgirls” e “Elle”, entre outros). Atenção: este título e o subtítulo

do livro não fazem justiça à escala da história. “Benedetta” está em exibição na cidade, no Cine Ouro Verde (confira programação de cinema no site da FOLHA).

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Estamos no século XVII. O filme começa com a infância de Benedetta (Virginie Efira) e seu primeiro "milagre", que aparentemente a predestina para um caminho de santa como seguidora/filha obediente e adoradora da Virgem Maria. Seu pai, comerciante rico, a entrega ao Convento Teatino na cidade toscana de Pescia, antes da grande praga, sob a astuta, severa e pragmática orientação da abadessa, retratada com rigor pela veterana Charlotte Rampling. Ela, a abadessa, não tem escrúpulos ao afirmar que o convento não é lugar de caridade: quem quer a filha como noiva de Cristo tem que pagar um dote colossal.

A trama avança rapidamente para a idade adulta de Benedetta, sempre no convento, e a entrada em cena da jovem, inconformista, e rude camponesa Bartolomea (Daphné Patakia) coincide com a ascendente mobilidade de Benedetta na hierarquia do monastério. As visões exageradas de um Jesus amável e respeitoso, seu marido em sentido figurado e seu salvador no sentido literal, logo são substituídas por manifestações mais explícitas, como os estigmas ou chagas. Benedetta não só não

consegue esconder as marcas de um santo como aproveita os sinais sagrados para dar fôlego à sua carreira de arrivista.

Baseado numa história real, filme está tão perto de uma sátira quanto de um drama que aborda religião e política
Baseado numa história real, filme está tão perto de uma sátira quanto de um drama que aborda religião e política | Foto: Divulgação

É evidente que ela logo chama a atenção dos figurões da Igreja. E esse quadro coincide com seu desejo carnal pela rebelde Bartolomea, momentos em que o filme consegue mostrar mais nudez frontal do que seria considerado apropriado para um

convento da era renascentista. A nudez não é a única mercadoria fornecida em exposição. A outra é uma espécie de humor. Além das visões exageradas e deliberadamentre ingênuas de Jesus, frases curtas circulam pelo convento em velocidade surpreendente para um drama do período contrarreforma, que lida com a politica da Igreja e o iminente apocalipse.

Na verdade, Verhoeven reimagina a história de vida de Benedetta Carlini como um thriller erótico suave, aliás uma antiga especialidade dele, e a comédia atrevida (romântica) básica e tranquilamente pode ser chamada de blasfêmia. Verhoeven prova que ele pode mesclar habilidade o que seria considerado opostos polares, já que Benedetta está tão perto de uma sátira quanto de um drama que aborda religião e política. E poder ou empoderamento, se preferirem a ótica da Benedetta – um produto carnal-espiritual de seu sacro-tempo. Há cenas (não tantas quanto certo publico voyeur gostaria) em “Benedetta” que, juntas, dariam um trailer fake satirizando algumas predileções do cineasta. Seios de mulheres agarrados, peitos de homens esfaqueados e

visões de um Jesus cavalgando e brandindo a espada. Se você não aprova, desvie o olhar ou deixe a sala.

Mas não se engane. Este novo filme do octogenário Verhoeven é um lembrete de que ele é muito mais do que um alegre e irresponsável fornecedor de sexo e violência.

“Benedetta”, durante grande parte de seu tempo na tela, é um belo drama de época, contido e até convencional, um desfile imponente de trajes elegantes e edifícios de pedra iluminados por velas, com uma pontuação orquestral digna de Anne Dudley, bem à altura da soberba e da ostentação católica do período. É um exame cuidadoso da política e da religião organizada, e uma exploração abrasadora da fé. Nudez, sexo e respingos de sangue são apenas uma especie de bônus (descartável ? talvez) que

sustenta a coluna vertebral da santa hipocrisia.

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