Há agora, como sempre houve, um debate em torno da amizade. E neste sentido há duas posições: uma, centrada no tipo de pessoa que o amigo deve ser, e outra, que se coloca na história da relação entre duas pessoas que se consideram amigas. No belo, reflexivo drama italiano que entra em segunda semana a partir da próxima segunda-feira (25) no Cine Ouro Verde, o foco do roteiro é a defesa da concepção de amizade focada no tipo de relação. O olhar dos diretores (e roteiristas) Felix van Groeningen e Charlotte Vandermeersch torna possível manter o valor intrínseco da relação entre Pietro e Bruno, os personagens centrais da história , sem que o espectador precise admitir que as obrigações especiais desta amizade possam entrar em conflito com as obrigações morais.

Se o cinema contemporâneo tende a sexualizar a amizade masculina, a revelar o subtexto do desejo que o cinema clássico não ousou tornar visível, “As Oito Montanhas” o aborda a partir dos afetos mais misteriosos, daqueles que atravessam inabalavelmente a passagem do tempo, a diferença de classes, os destinos inconciliáveis, e que se unem numa atração mística que, neste caso, a Natureza – aqueles Alpes, majestosos, silenciosos – representa um projeto comum, uma casa isolada do mundo, habitada por um sonho que também revelará seu lado nebuloso.

Se Pietro e Bruno se reconhecem como iguais quando crianças, e se reencontram já adultos para retomar aquela vida abruptamente interrompida, é por conta do fascínio pela (s) montanha (s) que o filme sabe representar a partir de uma materialidade – as árvores, a neve, o vento – que alimenta a força dos laços entre os dois personagens. No filme, a montanha tem dimensão real e ao mesmo tempo metafísica. É uma história de encontros e confrontos, de reconhecimento identitário num universo sobretudo macho. A relação de Pietro com o pai é decisiva, amado, rejeitado e amado novamente; e ao lado o abraço e o duelo com seu amigo Bruno, seu alter ego, a criatura da montanha.

Filme com Lucca Marinelli e Alessandro Borghi tem a montanha como um terceiro personagem, tanto sob o aspecto fascinante quanto ameaçador
Filme com Lucca Marinelli e Alessandro Borghi tem a montanha como um terceiro personagem, tanto sob o aspecto fascinante quanto ameaçador | Foto: Divulgação

O horizonte da paisagem é o do Monte Rosa, observado de ângulos periféricos e antiturista. A montanha é tão fascinante quanto dura, opressiva e ameaçadora. Sonhos se chocam com a realidade, porém não morrem e sempre encontram nova vida para alimentar. É bem verdade que a dupla de diretores abusa da narrativa em off , enfatizando excessivamente a origem literária do filme (premiado livro autobiográfico de Paolo Cognetti) e da música, que romantiza o todo. Mas é mérito inegável deles, e das excelentes atuações de Lucca Marinelli e Alessandro Borghi, que o filme transmita ao espectador aquela relação de amizade baseada em generosidade e empatia, mesmo quando o orgulho e o segredo ameaçam destruir o que a montanha (o terceiro personagem, em ordem de significação) não conseguiu.