Brasileiro-forasteiro, o músico, arranjador e cantor carioca Dori Caymmi, 58, está lançando no Brasil (ele mora em Los Angeles) o disco ''Influências'', em que presta homenagem aos artistas quase todos também brasileiros que ele julga formadores de sua personalidade musical.
Quem bancou o disco foi a produtora japonesa Horipro, e a distribuição nacional acontece por iniciativa da major Universal. No universo de influências assumidas por Dori estão Noel Rosa, Braguinha, Jacob do Bandolim, Ary Barroso, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Baden Powell e, é claro, o pai, Dorival.
''Tenho saudade de um Brasil que me prometeram e não deram. Meu disco é minha retribuição a esses homens importantes que me formaram. Sou filho de um homem importante, criado entre gênios que fizeram o que fizeram num país decepcionante como este. Sendo filho de meu pai, não poderia ser outra coisa. Mas não aconteceu, fui embora, me isolei. O lançamento de meus discos aqui é lançamento pela janela, na Paulista'', brinca, melancólico.
Há homenagens menos explícitas, também, à tradição de arranjadores a que ele se filia. O arranjo de ''Pé do Lajeiro'' é referência confessa ao que Tom Jobim fizera para essa canção de João do Vale. O maestro paulista Leo Peracchi, um de seus prediletos, frequenta as entrelinhas de ''Influências''.
''Leo fez um disco lindo com meu pai, ''Caymmi e o Mar' (57). Fez uma cortina cinematográfica por trás, eu era garoto e achei que era o que eu queria ser na vida. Estou longe de concretizar isso, porque não estudei. Sou intuitivo, hoje sinto falta do estudo. Mas existe um ponto de diferença. Você vai ganhar muito dinheiro e ser muito famoso ou vai gostar de acordes e harmonias. Leo Peracchi era assim, e eu também sou.''
Antes de migrar do Brasil (seguindo, também nisso, o exemplo de seu mestre Peracchi), Dori pôde solidificar aqui mesmo carreira de arranjador e orquestrador. Nos 60, conduziu LPs de Nara Leão e a estréia conjunta de Caetano Veloso e Gal Costa; nos 70, trabalhou com Tom Jobim (em ''Matita Perê'', de 73, por exemplo) e esteve por trás de trilhas sonoras antológicas de TV, como ''Gabriela'' (75) e ''Sítio do Pica-Pau Amarelo'' (77).
''Fiz discos de Nara quando a Universal era Philips e lá trabalhavam João Mello, Armando Pittigliani, João Araújo. Era uma época em que diretor de gravadora andava de Volkswagen, não de Mercedes Benz. No outro tempo era melhor'', lembra.
''Depois se começou a definir a coisa do executivo. Os diretores são quase todos meus amigos, mas eles se vendem, se trocam. Muda o cocô, mas a mosca continua sempre a mesma. A gente era mais patriota. Patriotismo se perde aos poucos, mas no Brasil o perdemos ''aos muitos''', avalia.
Sem qualquer contato com o remake do ''Sítio do Pica-Pau Amarelo'', em andamento pela Globo, lembra-se do que moveu o trabalho da trilha original: ''Éramos nacionalistas, fazíamos discos nacionais para os programas. Chamei Sérgio Ricardo, Jards Macalé, [o produtor'' Guto Graça Mello chamou Geraldo Azevedo. Era a intenção evidente de trazer para a Globo essas pessoas perseguidas. Não importava que fosse menos infantil, que não tivesse nada que ver com criança. Era complicado, mas deu certo''.
Fala da tarefa do arranjador, e nela já inclui o Brasil: ''É uma profissão nobre a do arranjador. É preciso nascer com ela. Eu ouvia Sinatra cantar, adorava, mas o fundo instrumental é que me fascinava. Gostaria que fosse no Brasil minha atividade, mas me canso abrindo jornal e vendo essas coisas todas tão mal resolvidas. Desde o plano Collor, com aquele assalto aos cofres nacionais, passei a não tolerar o Brasil''.
Diz que seu canto e sua música são tristes, e que tais características se devem a isso. ''Minha música é reflexo de minha tristeza em relação ao Brasil. A música triste é mais bonita que a música alegre.'' Evoca, para falar de tristeza e alegria, o colega Dominguinhos, que canta no disco em ''Pé de Lajeiro''. ''É triste a leitura que damos a ''Pé do Lajeiro'. Meu sonho é fazer um disco com Dominguinhos, meu grande ídolo nordestino. Uma vez estava tocando ''Contrato de Separação' no apartamento de Nana Caymmi. Quando acabou, o prédio aplaudiu'', conta, mostrando a pele arrepiada só por lembrar o episódio.