Inesquecível, intensa, enriquecedora. São várias as sensações que a professora e pesquisadora cultural Juliana Barbosa sentiu em sua primeira experiência como jurada do prêmio Estandarte de Ouro, considerado o “Oscar” do carnaval carioca. Neste ano, ela teve o privilégio de ser convidada a participar do júri na edição em que o prêmio criado em 1972 pelo jornal O Globo comemorou 50 anos.

Juliana, formada em Relações Públicas na UEL (Universidade Estadual de Londrina), é uma profunda conhecedora do carnaval protagonizado pelas escolas de samba do Rio de Janeiro. Não apenas por ser carioca, mas porque fez da paixão por essa manifestação cultural objeto de pesquisa acadêmica. Sua dissertação de mestrado em Estudos da Linguagem na UEL foi sobre o processo de criação dos desfiles das escolas de samba, mediante análise da apresentação da Unidos do Viradouro no carnaval de 2007. Produção cultural é uma das disciplinas que ela leciona como docente no departamento de Comunicação Social da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

“Foi uma experiência incrível, bem intensa, de muita leitura. Cada dia, umas 400 e poucas páginas para ler sobre as escolas, a sinopse, o samba, o roteiro, que explica cada fantasia, cada ala, destaque, carro alegórico, coreografia, tudo. É um material bem rico que as escolas preparam para o desfile, baseado em muita pesquisa e muita criação artística", afirma ela sobre sua participação como jurada.

A professora e pesquisadora cultural Juliana Barbosa ao lado dos demais jurados do Estandarte de Ouro
A professora e pesquisadora cultural Juliana Barbosa ao lado dos demais jurados do Estandarte de Ouro | Foto: Arquivo pessoal/ Juliana Barbosa

Juliana conta que chegava à Marquês de Sapucaí às 20 horas para assistir aos desfiles – um do Grupo de Acesso e os dois do Grupo Especial (na sexta, 22 de abril, e no sábado, 23) - e saía de lá às 7h30. “No último dia, quando deu 7h30 fomos pra redação do Globo e ficamos até as 14h. É uma jornada e tanto, e eu tinha até vergonha de bocejar, porque olhava ali do meu lado e estava o Haroldo Costa pleno, maravilhoso, 91 anos, nem cara de cansado fazia", afirma, mencionando o jurado mais ilustre do prêmio. “Foi muito legal estar ao lado de pessoas que vivem, pesquisam e amam a escola de samba, trocar com eles.”

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IMPRESSÕES

Para a professora, todo o processo de avaliação dos desfiles, com base no material explicativo disponibilizado pelas escolas de samba, confirmou o que ela sempre defendeu no meio acadêmico: os enredos carnavalescos têm uma relevância pedagógica que vai muito além do mero entretenimento exibido pela TV.

“O material produzido pelas escolas em que tem toda a pesquisa, biografia dos carnavalescos, o enredo, o samba, e todo o roteiro do desfile, é um conteúdo muito rico ao qual a gente tem acesso e que mostra como a cultura das escolas de samba tem uma complexidade e sofisticação muitas vezes não consideradas por quem é mais distante desse universo”, reflete. “Eu sempre defendo que as escolas de samba têm um papel pedagógico importante e o que eu conheci de material neste ano só reforça essa minha concepção da escola de samba como importante fonte de conhecimento, não só pra ser usado no ambiente escolar ou acadêmico.”

Juliana Barbosa exibe o livro "Serra, Serrinha, Serrano: O império do samba: O império do samba", que narra a história do Império Serrana, com o qual foi presenteada
Juliana Barbosa exibe o livro "Serra, Serrinha, Serrano: O império do samba: O império do samba", que narra a história do Império Serrana, com o qual foi presenteada | Foto: Arquivo pessoal/ Juliana Barbosa
Imagem ilustrativa da imagem "As escolas de samba têm papel pedagógico importante"
| Foto: Arquivo pessoal/ Juliana Barbosa

AFRICANIDADE

Ela destaca o fato de que neste ano, por exemplo, oito das 12 escolas do Grupo Especial defenderam temas ligados à cultura afro com abordagens pouco difundidas nas salas de aula. “Todas elas falando de maneira afirmativa sobre a cultura negra, valorizando e trazendo um discurso ainda pouco difundido, especialmente no ensino, sobre a questão da cultura afro originada", aponta. “Como as escolas de samba alcançam um público grande, têm papel importante na difusão de temas que precisam ser trabalhados.”

A grande campeã do carnaval 2022, Acadêmicos do Grande Rio, por exemplo, falou sobre Exu. A escola também foi escolhida a melhor pelos jurados do Estandarte de Ouro, o que nem sempre acontece.

AVALIAÇÕES POLÊMICAS

Juliana Barbosa explica que os critérios de avaliação usados pelos jurados oficiais da Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba) não são necessariamente os mesmos dos avaliadores do Estandarte de Ouro. “A gente pode usar critérios menos técnicos do que os do júri oficial. Por exemplo, o que chamamos de arrepio, que é o impacto que a escola provocou na avenida, mesmo que no percurso tenha tido algum problema. A gente premia a escola que acerta nas suas escolhas e leva para a avenida aquilo que faz sentido para o público e enriquece a cultura carnavalesca.”

Aliás, a avaliação dos jurados oficiais é um assunto que sempre divide a opinião das comunidades das escolas de samba no dia da apuração, na Praça da Apoteose. No entendimento de Juliana, o ideal é que os especialistas levem em conta fatores que vão além apenas da análise técnica.

"As avaliações criteriosas são importantes porque vão melhorando a qualidade do desfile, por outro lado, acho importante que além dos aspectos técnicos os jurados entendam que ali é o samba, a cultura das escolas de samba, que aquela música está a serviço daquela cultura", defende. “É importante pensar como aquele quesito funciona para aquele universo, porque senão entra também no aspecto de tornar os desfiles extremamente perfeitos e técnicos e eles não cumprirem o que eu acho que é a sua função principal, que é se comunicar com o público.” E ela encerra citando um outro expert no quesito, o historiador e compositor Luiz Antônio Simas, seu colega no júri do Estandarte de Ouro: “As escolas de samba não existem porque desfilam, desfilam porque existem”.

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