No próximo dia 5, quando Paulx e Jeffe lançarem a EdiyPorn, lá se vai um ano desde que Jair Bolsonaro usou sua conta no Twitter para expor a dupla como exemplo da depravação que teria "virado muitos blocos de rua no Carnaval".

Na ocasião, o presidente compartilhou o vídeo dos dois subindo num ponto de táxi e dançando um funk que diz "falei pra minha mãe que eu queria ser mulher". Na sequência, Paulx enfia um dedo no ânus, e Jeffe urina na nuca dele. Tudo no BloCu, um cortejo no centro paulistano.

Um dia depois, Bolsonaro se perguntava na rede social: "O que é golden shower?". Aos que, mesmo depois do alvoroço causado pela dúvida presidencial, ainda desconhecem a expressão: trata-se do fetiche de fazer xixi na frente de um parceiro ou sobre ele.

No começo de 2019, antes mesmo do Carnaval, Paulx e Jeffe já haviam começado a produzir conteúdo para a Ediy, que descrevem como "uma produtora de pornografia dissidente e plataforma de conteúdos eróticos desviantes". O ato de um ano atrás -que eles veem como performance, e Bolsonaro, como libertinagem- tinha a ver com o projeto, afirmam.

"O que é Jair Bolsonaro?" A pergunta foi reproduzida pelo Golden Shower, um perfil criado como sátira ao mandatário. A imagem, em tons cor-de-rosa, está na conta de Instagram da Ediy (@ediyp_rn), seguida por fotos dos dois performers no ponto de táxi.

O nome escolhido para o projeto vem do pajubá, linguagem usada em parte da comunidade LGBT+, como gays, travestis e drags. O mesmo dialeto, aliás, que apareceu numa questão do Enem que irritou o recém-eleito Bolsonaro em 2018.

Paulx a traduz: no pajubá, "edi quer dizer cu, aí fizemos um jogo com o 'Do It Yourself [DIY], termo usado para produções 'faça você mesmo', que na pornografia tem a ver com os vídeos caseiros e produções independentes".

Paulx, 30, ora adota a inflexão de "menina" para falar de si, ora dispensa artigos femininos ou masculinos e adere ao "x", que sugere uma neutralidade de gênero. Define-se como uma artista "crítica aos dispositivos de poder" e interessada em "explorar as diversas linguagens da putaria política".

Já Jeffe G., 28, diz que seu objetivo no audiovisual é "provocar questionamentos acerca da colonização dos nossos corpos e imaginários". Ambos preferem omitir os nomes no RG.

São seis pessoas no núcleo do projeto, nada por acaso previsto para estrear no aniversário de um ano "do nosso golden shower", diz Paulx à reportagem.

Aquele dia, afinal, virou a vida da dupla pelo avesso. "Foi um caos nos dias seguintes ao tuíte. Para evitar possíveis retaliações, passamos duas semanas fora de São Paulo. Mudamos de cara, de cabelo", conta a artista. "Demorou um tempo até voltarmos à rotina."

Eles voltam neste ano ao BloCu, marcado para segunda (24), de novo no centro de São Paulo. Agora como convidados oficiais, para "passar mensagens que mexem com estruturas que servem à moral tradicionalista e ao conservadorismo", segundo Paulx.

Em março do ano passado, a performer chegou a entrar com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal pedindo que o presidente deletasse os dois posts sobre sua cena com Jeffe.

Argumentou que Bolsonaro usou um canal de comunicação oficial do Estado para violar seu direito de imagem enquanto fazia uma "performance artística para ser representada no Carnaval para um público informado".

Bolsonaristas rebateram, à época, que qualquer pessoa que passasse pela área, um espaço público, poderiam ser expostas àquilo. Críticos rebateram: ao ser disseminada para milhões de seguidores pelo presidente, a cena ganhou alcance ainda maior e poderia representar quebra de decoro e da liturgia, esperados de um chefe de nação.

Relator do caso, o ministro Marco Aurélio Mello entendeu que o perfil não era oficial, mas uma conta privada, e portanto o STF não tinha por que julgar a ação. E Bolsonaro acabou, de qualquer forma, apagando os posts na época.

Flavio Grossi, advogado de Paulx, recorreu da decisão. A ação seria analisada pelo colegiado da corte em outubro, mas saiu da pauta e nunca mais voltou.

Ainda que as mensagens tenham sumido da conta do líder do Executivo nacional, é importante julgar o episódio para "reconhecimento do abuso praticado por Bolsonaro enquanto presidente da República", diz Grossi.

Se Marco Aurélio entende que o perfil teria caráter privado e, portanto, os tuítes não representariam ato de autoridade pública, "o que alegamos é justamente o oposto", continua o advogado.

"As relações sociais contemporâneas mudaram para um perfil mais cibernético. E assim também o fez a política e órgãos institucionais: o presidente usa seu perfil no Twitter praticamente em substituição ao Diário Oficial. Por meio de tuítes com limites de caracteres, anuncia demissão e nomeação de funcionários e medidas do seu governo."

E se vale do mesmo canal, segundo o defensor, para fazer "ataques institucionais a meios de comunicação, jornalistas, pessoas públicas, usa de seu pobre português e piadas de mau gosto para 'passar recados' à população e a seus desafetos políticos". Procurada, a Presidência não se manifestou.

Na época, Paulx e Jeff, que se diziam "bixas, não homens", enviaram à reportagem um manifesto para se posicionarem "contra o conservadorismo e a colonização dos nossos corpos e nossas práticas sexuais".

Deram, então, o spoiler sobre Ediy, "uma produtora pornográfica que trabalha a partir de corpos e desejos desviantes". Seu site seria colocado no ar em meses, diziam. Um ano depois ela vem aí, e o duo garante: para bom entendedor, meio pajubá basta.