A cultura do Brasil e toda a arte produzida dentro do país parece não encontrar limites na hora de buscar o reconhecimento por suas obras. Através da coletividade foi construída na ficção uma equipe de vôlei em frente as lentes do cinema e dessa forma o Brasil marcou presença com mais uma produção na 62ª Semana da Crítica, festival de cinema paralelo a Cannes.

Loro Bardot, 25, chega às telas com o filme “Levante“, dirigido pela brasileira Lillah Halla, a produção conta a história de Sofia (Domênica Dias), uma adolescente campeã de vôlei que descobre que está grávida e decide recorrer ao aborto, entrando em conflito com as leis de proibição no Brasil.

Assista ao trailler de "Levante":

Interpretando a personagem Bel, uma das integrantes do time, também um ombro amigo da personagem principal, Loro, artista londrinense, esteve em Cannes em maio, celebrando seu personagem que entregou dramaticidade e a representatividade que buscava em sua adolescência, agora nas telas de festivais internacionais.

Mesmo vivendo a maior parte da juventude em São Paulo, Loro mantém constantes visitas à Londrina e sua cena cultural, isso possui um espaço de responsabilidade em seu caminho artístico. “Comecei a ir para Londrina para participar do Festival de Música, meus avós eram professores de educação física na UEL e meu avô sempre foi apaixonado por música e, a partir dos meus 12 anos, passei a frequentar o FML”.

Todas essas experiências vividas desde criança encaminharam para essa chegada ao tapete vermelho de Cannes, a arte introduzida pela família desde cedo, agora, estreando no filme que perpassa dentro de diversas temáticas sociais relevantes.

Loro Bardot em Cannes: "a gente causou no festival, gostaram da rebeldia do nosso filme"
Loro Bardot em Cannes: "a gente causou no festival, gostaram da rebeldia do nosso filme" | Foto: Divulgação

'SE EU CAIR? EU ME LEVANTO'

Em sua vida, Loro já apresentava gosto pela arte desde a infância, seu berço já foi um lugar regado pela cultura e, além da atuação, o que se faz presente em sua vida é a música, seus pais, também artistas, eram a inspiração para ir atrás desta carreira e abraçar o que os estudos poderiam apresentar. “Meus pais eram atores, então, já nasci dentro do teatro, eu ficava escondida dentro de coxia e comecei a fazer teatro desde que me conheço por gente”.

Loro acredita que por sua infância ter sido menos acompanhada por telas e as redes sociais da atualidade, desenvolver sua criatividade com experiências orgânicas a ajudou no caminho: “comecei a tocar piano quando tinha 8 anos, era meu passatempo. A minha geração foi a última que não teve internet na infância, assim, eu trabalhei muito a minha criatividade em casa”.

Ao final de seus 18 anos, produziu seu primeiro EP, o “Café dos Pássaros”, com composições em inglês e português, onde mostra toda a bagagem de estudos que possui na música. “Possuo várias formações na arte, me meti em fazer muita coisa, sou formada em experiência.”

PREPARACÃO

Durante a pandemia, um período anterior às gravações do filme, Londrina voltou a ser o berço do artista, escolheu a cidade para se preparar para o próximo desafio: "na pandemia, morei por dois anos em Londrina, uns meses em uma república, depois com o meu avô e logo após um tempo no Universiflat, foi uma cidade que me acolheu”.

Além de decorar os textos e toda imersão na personagem, os preparativos para viver Bel nas telas, se iniciou com treinos aqui na cidade: "para fazer a jogadora de vôlei do filme, treinei com um personal, já que perdi muita musculatura no isolamento, fui de bicicleta ao Zerão, andei para lá e pra cá, mas consegui o shape do vôlei”.

Loro Bardot com o elenco do filme "Levante" em Cannes
Loro Bardot com o elenco do filme "Levante" em Cannes | Foto: Divulgação

O FILME

A questão do aborto, abordada ao longo do filme, sempre é um assunto que divide opiniões em debates políticas e sociais, um tema relacionado a saúde da mulher e desigualdade de gênero, que ainda perpassa por valores religiosos e espera seus espaços por debates evolutivos: "é um tema que infelizmente ainda é um tabu, acho muito importante ter a oportunidade de ter um elenco falando sobre, não necessariamente sobre o aborto, é sobre o direito de ter as escolhas sobre o seu próprio corpo e ter um coletivo por trás para te dar essa assistência, a importância do coletivo", diz.

Ter uma rede de apoio em momentos adversos na vida, é um dos elementos que emocionam no longa, o esporte que ensina a disciplina e o poder que cada um tem dentro de um coletivo, cria um sentimento de união. “É o espírito coletivo do esporte ajudando essa menina, essa é a temática do filme”.

Sobre os personagens e toda a produção do filme, é nítido ver a cara do Brasil nas telas, representatividade não só de corpos, mas de competência e assertividade: “80% das pessoas que estão no elenco são pessoas pretas, isso não é diversidade é a realidade da população brasileira, não acho que seja um elenco diverso, é o que deveria ser, o que é justo e faz sentido em termos de representação, um elenco realista”.

"Quando estava crescendo não havia essa representatividade do LGTB no audiovisual", diz Loro Bardot
"Quando estava crescendo não havia essa representatividade do LGTB no audiovisual", diz Loro Bardot | Foto: Divulgação

A representatividade da vida se encontrou com a arte, uma oportunidade de expressão para Loro. "Uma personagem trans não-binária, quando olho para trás e me imagino com a idade de Bel, lembro de ser um adolescente muito amargo e violento, eu também sou trans não-binário, me descobri LGBT muito cedo. Quando estava crescendo não havia essa representatividade no audiovisual de LGBT, eu achava que iria morrer sozinho, que não teria amor”.

Mas a solidão não ficou, ao contrário disso, a vida lhe presenteou com um grande elenco não só na ficção, a personagem Bel é só o começo de uma caminhada que nasceu em Londrina, mas já atravessou o oceano: “Bel é um raio de sol, um calorzinho, uma pessoa leve. Poder ir para Cannes levando essa representatividade no meu corpo, é algo incrível, nunca imaginei na minha vida, mas se está acontecendo é porque era para acontecer”.

Cannes foi a consagração de um trabalho que apresentou novos rostos as telas, a notícia da indicação ao Festival foi o aplauso final, legitimando a carreira e a pessoa que Loro se tornou, o filme “Levante” não parece ter esse nome à toa, é lá no alto que tudo se encaixou. “Quando foi falado 'Vocês vão para Cannes’, chorei por dias, a gente levantou uma vaquinha para conseguir dinheiro para todos do elenco, juntando todo mundo tinha 25 pessoas lá. A gente causou no Festival de Cannes, gostaram da rebeldia do nosso filme”.