Arte popular representa resistência
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quinta-feira, 20 de abril de 2000
São Paulo, 21 (AE) - O segmento dedicado à arte popular talvez seja o que mais faça sentido numa mostra que tem por objetivo primordial investigar a história do País pelo viés das artes visuais. Afinal, é essa produção extremamente rica e diversificada que reflete o imaginário do povo brasileiro, seja ela uma produção anônima, ligada à tradições e costumes regionais, seja obra de um artista específico, como as cerâmicas de Mestre Vitalino ou a pintura de artistas naifs como Waldomiro de Deus, cuja "Descoberta do Brasil" é a peça inaugural do módulo.
Para lidar com o tema da arte popular, os curadores Emanoel de Araújo e Frederico Pernambucano de Mello procuraram estabelecer uma diferença clara entre folclore e arte e desenvolver uma reflexão inovadora sobre esse universo. O caminho adotado por eles foi privilegiar três vertentes básicas: a ancestralidade, o arcaísmo e a permanência dessas expressões artísticas genuinamente brasileiras.
Em outras palavras, o mote central deste módulo é a idéia de resistência cultural. Não é a toa que um dos blocos mais importantes do núcleo é dedicado ao cangaço e reúne peças históricas como as armas e peças do vestuário usados pelo bando de Lampião. Outros dois aspectos predominam de forma inquestionável: a religiosidade e o carnaval. Bumbas-meu-boi convivem lado a lado com obras de cunho religioso como a enorme instalação formada por centenas de ex-votos, instalada na entrada da exposição.
São milhares de peças, que compõem o maior conjunto de obras da Bienal. Esse excesso é proposital. Para deixar evidente a qualidade da arte, ou melhor, das artes populares do Brasil, a exposição tomou como partido a acumulação para afirmar, como diz Araújo, "a presença do povo". "Nossa intenção é fazer com que o visitante seja introduzido à estética popular, fazendo-a conviver em pé de igualdade com a arte erudita presente em outros módulos do evento", afirma.
A observação cuidadosa das obras que compõem o módulo revelará ao espectador todo o esplendor dessa arte feita pelo povo, mas que reserva surpresas como o encantador "Cata-vento Toré", construído por Nhô Caboclo com madeira, metal e lã e que recria uma aguerrida batalha; ou um maravilhoso ex-voto de 1952, que na realidade é uma escultura fortemente influenciada pela estética africana, de uma simplicidade formal e de um impacto visual impressionantes.