Em alemão, numa expressão intraduzível, “Bildung” significa educar-se como uma forma de cultivo e aperfeiçoamento pessoal. Trata-se de uma busca pelo melhor de nós mesmos. Podemos – e devemos – extrair da experiência cotidiana grandes aprendizados na formação do caráter e na construção da personalidade. Por definição, essa procura contínua nos humaniza e nos aproxima daquilo que é constituído por todos.

Lembro-me de uma entrevista do escritor peruano Mario Vagas Llosa na qual ele afirma que os amantes da literatura são pessoas melhores, conhecem mais da vida, estão aptos a conviver e compartilhar. Conhecer histórias – reais ou imaginárias – enriquece o espírito, desarma a má vontade e prepara para um convívio proveitoso. De fato, nunca conheci um bom leitor que não fosse uma agradável presença onde quer que estivesse.

Através da “Bildung” educamo-nos para a liberdade. É assim que a ideia aparece em Humboldt (cientista alemão do século 19), como uma espécie de autonomia indispensável às plenas potencialidades do espírito. Os potenciais humanos podem ser descobertos e aprimorados. É por isso que o cultivo pessoal é tão importante: há coisas que só cada um pode fazer por si mesmo.

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. | Foto: iStock

Educar-se para a liberdade pode ter mil faces. Do aprender uma nova língua à descoberta de um gênero cinematográfico, passando pela leitura prazerosa de novos romancistas até a audiência de um surpreendente grupo de rock, tudo gira em torno de um “estar à cata do melhor de si”. Como aprisionar almas cultivadas naquilo de melhor já realizado pela humanidade? Como ludibriá-las? Como convencê-las a seguir pelo pior dos caminhos?

Uma das exigências da “Bildung” é o pensar historicamente. Se os espíritos forem providos pela reflexão histórica, ilusões do presente dificilmente produzirão grandes estragos. É como se pudéssemos reconhecer a origem das grandes questões. Há uma certa tendência de repetição nos fatos, com roupagens e falas novas, é verdade, mas ainda assim repetidos. Pensar historicamente reúne ontem e hoje, antecipando amanhãs possíveis, com suas soluções e desafios. A “Bildung” – essa busca pelo melhor de si – representa, então, um tipo possível de sociedade, toda ela erguida por indivíduos que reivindicam a humanização da realidade.

A discussão sobre a “Bildung” tem lugar nos debates sobre a modernidade e seus enormes dilemas. Entram em jogo a ciência, as artes, as diferentes formas de sociabilidade, os tipos de governo, as trocas entre os povos e as nações etc. Afinal, que humanismo é possível defender e apresentar como alternativa a um mundo de respostas tão prontas e infalíveis? Ainda: é possível abrigar na modernidade um humanismo que não seja só para alguns poucos nem sirva como instrumento de dominação do homem pelo homem?

A “Bildung”, como expediente de aperfeiçoamento moral e prático, segue como desafio. A aposta na feitura pessoal é um caminho. Graças a ele, educamos os pequenos e oferecemos opções de vida. Cabe agora universalizar a “Bildung”, para que seja a todos possível o aperfeiçoamento humano.

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A opinião do colunista não reflete. nevessariamente, a da Folha de Londrina.

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