EXCLUSIVO ANJO DURO DivulgaçãoBerta Zemel: ‘‘Nise Silveira era uma mulher múltipla, sua generosidade estende-se por tudo o que fez’’DivulgaçãoLuiz Valcazaras: ‘‘Projeto de ‘Anjo Duro’ está na minha cabeça há três anos’’ Jackeline Seglin Enviada a São Paulo Depois de 25 anos, a atriz Berta Zemel volta ao palco para interpretar a psiquiatra Nise da Silveira. Em entrevista exclusiva à Folha2, ela e o diretor Luiz Valcazaras falam sobre o espetáculo que estréia hoje no Festival de Curitiba A médica Nise da Silveira talvez jamais tenha imaginado que um dia sua vida iria parar sob os refletores do teatro. Sua existência foi dedicada ao ser humano, mais precisamente aos esquizofrênicos, que formam uma massa informe de pessoas torturadas em clínicas psiquiátricas. Até morrer, aos 94 anos de idade, Nise foi uma espécie de cientista, pesquisadora, estudiosa e anjo de centenas de doentes que passaram por ela. Enquanto nos demais hospitais esperava-os o terror dos choques e da lobotomia, a doutora Nise oferecia-lhes tintas, pincéis, tecidos, passeios. A atriz Berta Zemel, há 25 anos afastada dos palcos, volta à cena na pele de Nise Silveira no espetáculo ‘‘Anjo Duro’’ que estréia hoje no Festival de Teatro de Curitiba. Artista das mais respeitadas no tempo em que atuou no teatro e televisão – fez grande sucesso como protagonista da novela ‘‘Vitória Bonelli’’, da extinta TV Tupi – é uma apaixonada pelo trabalho da médica, tanto que aceitou o convite para retornar ao tablado. Nesta entrevista, ela e o diretor Luiz Valcazaras, mentor do projeto, falam não só sobre este espetáculo, como revelam os caminhos e experiências vividas num trabalho de dois anos. Luiz Valcazaras trabalha com teatro há 20 anos, tempo em que passou por vários grupos e diretores. Mas foi no teatro universitário que ele deu um start em seu projeto. ‘‘Fui convidado pelo TUSP (Teatro da Universidade de São Paulo) para dirigir alguns espetáculos. Durante cinco anos, fui crescendo e podendo experimentar, fazer pesquisa. Montei cinco peças para a USP. E este é o meu trabalho comercial’’, diz. A seguir, trechos da entrevista concedida com exclusividade à Folha2. Como você chegou ao projeto ‘‘Anjo Duro?’’ Valcazaras - A princípio, este espetáculo foi pensado em homenagem ao ator Rubens Corrêa. Eu o conheci em um festival em Ribeirão Preto (o Festival Universitário da USP), no qual ele ia apresentar ‘‘Artaud’’. A gente conversou muito e ele foi a primeira pessoa que me falou da doutora Nise da Silveira. O espetáculo que eu estava dirigindo trabalhava em cima de arquétipos – de índios. E o Rubens tem uma passagem de, quando criança, ter sido cuidado pelos índios do Mato Grosso. Nessa mesma época eu estava pensando também em parar de fazer teatro e ele me deu força para continuar. Quando faleceu, eu falei: vou escrever um espetáculo em homenagem ao Rubens. Nisso eu recebi um livro chamado ‘‘Cartas de Spinosa’’, da doutora Nise. Falei: nossa, vou fazer esse espetáculo. Mas como eu o vi com cara de monólogo, percebi que precisaria de uma grande atriz, Berta Zemel. Vocês trabalharam juntos anteriormente? Valcazaras - Vinte anos atrás ela já desenvolvia um trabalho sobre a encenação, sobre o trabalho do ator. Eu acompanhei esse trabalho e o começo de tudo foi aí. Por uma sincronicidade, o Volney – um psicólogo – deu um livro para ela de presente – também da doutora Nise. Quando eu apresentei o projeto, ela disse: com esse trabalho eu volto pro teatro! Quando exatamente você começou a escrever o texto? Valcazaras - Há dois anos. Na minha cabeça o projeto está há três – o Rubens Corrêa morreu em 96. Nesses dois anos, como foi o amadurecimento do seu trabalho de atriz? Berta - É exatamente essa a palavra: há um amadurecimento, um reconhecimento do personagem, a possibilidade de você encarar o personagem em todos os seus matizes. Não é só no cotidiano. É possível argumentar sobre o que ele pensou, o que ele não conseguiu fazer – que está no subtexto – o que tentou e fez pela metade. Nise era uma mulher tão múltipla, que toda a sua generosidade se estende por tudo o que fez. Ela foi para a psicologia, para a sociologia, para a filosofia... conheceu gente do mais alto gabarito em todas as áreas do saber. Isso tudo o ator tem que amadurecer – e leva um tempo. Eu estou muito feliz de ter podido levar esse tempo. Existe uma relação – fora ou dentro do palco – entre essas duas mulheres, Berta Zemel e Nise da Silveira? Berta - Eu tenho a impressão de que numa série de pontos nós batemos direto. Em alguns, talvez não, mas não estamos muito afastadas. Eu não sei se sou generosa como Nise. Mas ela é uma mulher aberta, lutadora, guerreira, bateu de frente com muita gente numa época difícil e defendeu muita coisa, como o respeito que se deve ter às outras pessoas e a tudo que nos cerca. Essa semelhança facilita na concepção do personagem ou você tem que fugir disso que é você mesma? Berta - As duas coisas. Tenho que tomar cuidado para não ser eu e, ao mesmo tempo, faço o papel com muito prazer, porque tudo o que Nise defende, eu estou por dentro. Valcazaras - Com olhar de diretor, acho que há dois pontos fundamentais. As duas são guerreiras, cada uma na sua área. Nise aturou muito na vida e enfrentou mil coisas para pôr o pensamento e a ideologia acima de tudo. As duas também caminham paralelas à coisa mais importante, que é o estudo do ser humano. Esse é o ponto em que elas se tocam muito. Cada uma na sua área, pesquisando a fundo, a alma do ser humano. A Nise através da dor de esquizofrênico e a Berta na pesquisa da alma do ser humano, que é para poder interpretar todos esses personagens. Essa pesquisa tomou a maior parte do tempo da montagem? Berta - A pesquisa é constante. Ainda hoje a gente analisa e vê coisas que podem ser acrescentadas. Isso é bonito no nosso trabalho. Você não pára. É um trabalho em aberto. Sempre pode colocar coisas. Provavelmente durante o espetáculo haverá isso também. É um outra perspectiva, uma outra visão de como se pode representar no palco, sem colocar ponto final em nada. Embora sempre com acabamento profissional. (Colaborou Zeca Correia Leite). Anjo Duro Texto e direção: Luiz Valcazaras Assistente de direção: Cristiane Valcazaras Com Berta Zemel Hoje e amanhã, às 21h30, no Teatro Paiol.