ANARQUIA POUCA É BOBAGEM
PUBLICAÇÃO
sábado, 07 de outubro de 2000
Iara Rossini Lessa De Londrina Especial para a Folha2
Um olhar anárquico sobre a institucionalização da poesia e a construção de falsos mitos poéticos. A estranheza dos versos da poeta Laura Riding (1901-1991) é o novo foco do poeta, jornalista, tradutor e escritor Rodrigo Garcia Lopes, que, prepara os detalhes finais do lançamento de Mindscapes - Poemas de Laura Riding, livro que sai pela editora paulista Iluminuras e traz 48 poemas da escritora norte-americana traduzidos por Garcia Lopes. A obra, que deve ser lançada no início do ano que vem, apresenta ao público brasileiro uma das escritoras mais malditas da língua inglesa quando o assunto é poesia contemporânea.
Garcia Lopes, que chegou ao Brasil no começo deste ano depois de passar um ano nos Estados Unidos terminando uma pesquisa sobre a autora - tema de sua tese de Doutorado em literatura norte-americana pela Universidade Federal de Santa Catarina -, resolveu extrapolar as fronteiras acadêmicas e preparou um verdadeiro catatau sobre esta poeta controversa que incomodou a crítica e chegou até mesmo a proibir a edição de seus versos em nome de um postura ética que acabou transformando seu nome em sinônimo de polêmica.
Laura Riding é, com certeza, uma poeta importantíssima e excêntrica, por ter escolhido caminhos espinhosos e por sua crítica à poesia. Depois de 1938, já assinando Laura (Riding) Jackson, ela ressuscitou a crítica platônica de que a poesia é um discurso mentiroso e incapaz de expressar a verdade, denunciando a profissionalização e institucionalização da poesia e as estratégias de marketing de modernistas como Eliot e Auden. Ela era uma crítica feroz do modernismo e isto fez dela uma persona não grata, principalmente quando se recusou a ser incorporada dentro de esquemas. Só para ter uma idéia da cabeça desta judia nova-iorquina, ela tem livros chamados Anarquia não é o Bastante e Um Panfleto Contra as Antologias, revela Garcia Lopes. - Mindscapes... (pensagens) chega em boa hora. Ano que vem será comemorado o centenário de nascimento de Laura Riding, o que vem agitando o cenário poético da língua inglesa. Uma espécie de resgate histórico com cheiro de mea culpa para reverenciar o talento de quem teve o dom de provocar polêmicas e colecionar inimigos. Entre eles, Ezra Pound, denunciando por Riding como fruto do marketing da época.
A postura desta poeta foi realmente uma coisa quase única na história da literatura norte-americana. Ela, que escreveu diversos livros entre histórias, poemas e crítica, parou de escrever em 1938, bem cedo em sua carreira, por compreender que a poesia não se adequava mais a seu projeto linguístico. Mas isto é só um pano de fundo para questões ainda mais amplas. A visão de Laura Riding é muito mais filosófica, sua poesia explora deliberadamente o consciente, refutando o movimento surrealista. É sobre a possibilidade e a utilidade da poesia no mundo de hoje, por exemplo. São questões que envolvem os alicerces do mundo literário contemporâneo, explica Garcia Lopes.
O livro, ainda segundo o autor, é uma edição crítica já que, além da edição ser bilíngue - como toda boa tradução deve ser -, traz ainda toda a bibliografia da poeta e sobre ela, além de fotos e depoimentos de oito especialistas convidados por Lopes, como John Nolan e Elizabeth Friedmann (biógrafa oficial da poeta), além de poetas importantes como Jerome Rothenberg e Charles Bernstein. Acho que essas diferentes visões críticas do trabalho de Riding vão abrir para que não se tenha só um enfoque - o meu, no caso - apresentado no ensaio e abertura. Isto ajuda o leitor a ter uma dimensão ainda mais precisa da importância desta poeta que ficou fora do cânone oficial da poesia americana.
Mindscapes... é a primeira coletânea de poemas de Riding a ser publicada fora dos Estados Unidos e da Inglaterra. Ela só permitia reedições de seus livros se viessem acompanhadas por um texto onde explicava os motivos de sua polêmica e renúncia à poesia. Traduzir é uma das coisas que eu mais gosto de fazer e este trabalho, até por causa da tese de doutorado, me permitiu e mesmo me forçou a um envolvimento profundo com a obra dela. Sua poesia me fez prestar atenção para a questão da linguagem humana e sobre a situação da poesia no mundo atual. Por outro lado, estudando seu caso de perto, ficou claro como é feita a história oficial e os mecanismos que podem levar uma escritora como Laura Riding, na minha opinião uma das figuras literárias de nosso século, a tornar-se quase uma completa desconhecida entre os leitores de língua inglesa. Ela praticamente foi riscada da história oficial da poesia americana.