Em seu novo romance, “A Morte e o Meteoro”, o escritor Joca Reiners Terron desenha um futuro próximo onde a floresta amazônica não mais existe. Madeireiros, garimpeiros, fazendeiros, pecuaristas e governantes colocaram toda a floresta no chão.

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. | Foto: Heibaihui/ iStock

A última tribo de indígena do Brasil, os kaajapukugi, se resume a 50 indivíduos ameaçados de extinção. O mundo todo se mobiliza para salvá-los. E a única solução é retirá-los do país. Como refugiados políticos, são instalados numa reserva florestal do México.

Lançado pela editora Todavia, “A Morte e Meteoro” traz em sua narrativa uma série enigmas. Abre incertezas, mistérios e ramificações. Abre labirintos de possibilidades, caminhos múltiplos e interpretações diversas. Uma característica de narrativa rizomática também presente em outras obras do escritor mato-grossense.

Autor de romances como “Não Há Nada Lá” (2001), “Do Fundo do Poço Se Vê a Lua” (2010), “A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves” (2013) e “Noite Dentro da Noite” (2017), Joca Reiners Terron fala a seguir sobre seu novo livro.

“A Morte e o Meteoro” apresenta uma história que acontece num futuro próximo, mas a sensação é de se trata de um retrato do Brasil atual. Você está prevendo um possível futuro?

Com o passado genocida que temos, não é difícil prever nosso futuro. Os indígenas e o ecossistema são destruídos desde que Cabral pisou nestas praias, e segundo o atual estado de coisas, continuarão a ser. A geração que ainda pisa este planetinha já não tão azul assim tem uma só responsabilidade: fazer algo e que seja já. Não temos saída.

A morte da floresta amazônica e a extinção de seus povos indígenas são fatos históricos ou ficção?

São fatos históricos. Isso não deixa de ser real só porque está num livro de ficção. Já o governo, ao aparelhar instituições que deveriam proteger a Amazônia e os indígenas, uma entidade real, portanto, trata essas questões como se fosse ficção. Como se não fossem pessoas reais com direitos reais, como se o aquecimento global fosse fake news. Me parece o fim da picada que caiba a um livro de ficção o papel de dar a real.

Joca Reiners Terron: "É preciso lutar pela volta da esperança e reinventar a possibilidade de futuro"
Joca Reiners Terron: "É preciso lutar pela volta da esperança e reinventar a possibilidade de futuro" | Foto: Renato Parada/ Divulgação

Você criou toda uma etnografia ficcional em “A Morte e o Meteoro”. Como ela foi criada? Quais referências antropológicas foram utilizadas?

Me inspirei um pouco, mas só um pouco, na ontologia dos suruwaha. O resto é uma mistureba temperada com liberdade e imaginação. Criar a cosmogonia kaajapukugi foi a única parte divertida de fazer esse livro, que foi escrito com a mais urgente necessidade.

O personagem principal de “A Morte e o Meteoro”, o indigenista Boaventura, se dedica a preservar os indígenas, mas o que consegue fazer é exatamente o contrário, o extermínio. Isso retrata cinismo ou a comprovação de que boas intenções podem piorar as coisas?

A segunda opção. Movido pelo egoísmo e pela ignorância, por seus anseios pessoais, Boaventura passa rapidinho de vítima a algoz. Talvez ele apenas simbolize o que o brasileiro é.

Em todo o mundo a floresta amazônica e seus povos indígenas são considerados elementos valiosos do território brasileiro. Mas o atual presidente e seus ministros praticam uma política em que a floresta e seus povos nativos merecem desprezo. Qual sua leitura disso?

O ministro do meio ambiente afirma que a maneira de salvar a selva é “monetizar a Amazônia”. Numerosos dados científicos comprovam o contrário: que a selva amazônica ainda não está inteiramente destruída somente graças à existência das reservas indígenas. Somos governados por imbecis mal-intencionados, gananciosos estúpidos. Eu gostaria que Ailton Krenak fosse nosso presidente da República.

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Você desenvolve uma imagem reveladora em “A Morte e o Meteoro”. Ao mesmo tempo em que um povo é extinto na Terra, acontece a primeira expedição espacial tripulada para habitar Marte. O que essa imagem representa?

Não sei, e estou sendo sincero. Se representar algo, e espero que sim, que seja que sempre há uma segunda chance. E caso haja, tomara que a humanidade faça tudo completamente diferente.

No livro você reconstrói uma nova cosmologia para o clássico conceito de Eterno Retorno. Por quê?

Creio que a própria expressão “eterno retorno” já responde essa pergunta. O que vai, volta e o que sobe, desce. É preciso lutar pela volta da esperança e reinventar a possibilidade de futuro.

Fragmento:

Ao contrário da jovialidade e da integridade que permitem ao homem branco na juventude, enquanto ainda está subindo a montanha e portanto não vê a morte do outro lado, viver ignorando o que o aguarda, o kaajapukugi encarava a morte e a via com melancolia desde cedo. Já no topo da montanha, o branco vê sem problemas aquela que nos aguarda desde sempre, sua alegria desaparece e a cara é coberta pelas cicatrizes deixadas pelo tempo e pelas flechas, enquanto o kaajapukugi, ao chegar lá em cima, se lembrava de olhar para trás e então via uma montanha idêntica àquela que acabara de escalar, e sobre ela um homem idêntico a ele próprio, o que o fazia pensar na montanha que estava adiante, em tudo igual às duas montanhas anteriores, no homem no topo dela, a cópia indefinidamente repetida de si mesmo a se repetir na montanha seguinte e seguinte e assim por diante: por diante e por trás. Os kaajapukugi viam a si mesmo como um e como todos. O pai, o filho e o neto eram um só kaajapukugi simultâneo e perene na travessia do tempo.

(Fragmento de “A Morte e o Meteoro”, de Joca Reiners Terron)

Serviço:

“A Morte e o Meteoro”

Autor – Joca Reiners Terron

Editora – Todavia

Páginas – 120

Quanto – R$ 40,90 (papel) e R$ 29,90 (e-book)