Imagem ilustrativa da imagem Aly Muritiba comenta indicação para concorrer ao Oscar
| Foto: Divulgação

Nascido no interior da Bahia, em Mairi, e morando em Curitiba há 18 anos, o cineasta Aly Muritiba vive o auge de sua trajetória artística. Dirigido por ele, o filme “Deserto Particular” foi indicado na semana passada pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais para representar o Brasil no Oscar 2022. Produzido por ex-alunos do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), o longa-metragem venceu a disputa com outros 15 filmes nacionais.

Apesar de ainda ter que percorrer um longo caminho rumo ao prêmio mais badalado da indústria cinematográfica, Muritiba vem colhendo excelentes resultados a cada trabalho lançado. A adaptação em formato de série documental do podcast “O Caso Evandro” para a Globoplay foi um sucesso comercial e pautou discussões em âmbito estadual sobre tortura e direitos humanos. “Jesus Kid”, adaptação do romance homônimo de Lourenço Mutarelli, rendeu a ele prêmios no Festival de Gramado – repetindo o feito de “Ferrugem”, também premiado em Sundance, a Meca do cinema independente americano. E “Deserto Particular” foi eleito o Melhor Filme na última edição do prestigiado Festival de Cinema de Veneza. Já o curta “A Fábrica” e o longa "Para Minha Amada Morta” foram filmes aclamados pela crítica especializada.

Escolhido para concorrer ao Oscar 2022, “Deserto Particular” narra a história de Daniel, policial exemplar que acaba cometendo um erro que coloca em risco sua carreira. Quando nada mais parece o prender ao Paraná, parte em busca de Sara, mulher com quem se relaciona virtualmente. O filme estreia nos cinemas em novembro.

Imagem ilustrativa da imagem Aly Muritiba comenta indicação para concorrer ao Oscar
| Foto: Divulgação

Até este ano apenas seis filmes brasileiros figuraram na lista final de indicados ao Oscar de Melhor Filme Internacional: O Pagador de Promessas (1963), O Quatrilho (1996), O Que é Isso, Companheiro? (1998) e Central do Brasil (1999). Nenhum ganhou.

Em entrevista concedida à Superintendência da Cultura do Paraná, Muritiba reflete sobre seu momento cinematográfico, inspirações, metáforas futebolísticas, passado, chancela dos festivais internacionais e a volta para casa.

Como você recebeu a notícia [da escolha de "Deserto Particular" para representar o Brasil no Oscar 2022]?

Recebi no meio do sertão da Paraíba, no meio do mato, porque eu estava trabalhando em uma série. Aí no intervalo do almoço a assessora de imprensa tinha mandado mil mensagens, “me liga, me liga”, liguei e ela falou “cara, escolheram Deserto Particular”. E muito embora eu tivesse esperança, senão não teria inscrito, porque acredito muito no potencial do filme, eu achava que não ia rolar. Um dos concorrentes é um filme incrível, com Netflix, Rodrigo Santoro, O2 e Fernando Meireles [7 Prisioneiros, dirigido por Alexandre Moratto]. Então era tipo o Coritiba enfrentar o Flamengo hoje em dia. Só que o Coritiba foi lá e meteu gol!

Você vem trilhando uma carreira internacional. “Ferrugem” foi para Sundance, o próprio “Deserto Particular” foi premiado em Veneza. Você acha que tem muita diferença entre esse circuito de festivais e o Oscar?

Do ponto de vista de carreira para o filme, essa pré-indicação ao Oscar traz bastante atenção. Porque poucas pessoas, falando do grosso da população, sabem o que é um festival de cinema como Cannes, Veneza, Berlim, Gramado. E não se interessam porque esse é um círculo muito restrito. Mas todo mundo sabe o que é o Oscar. Eu estou vendo isto na prática. O filme foi pré-selecionado para representar o Brasil no Oscar, e desde então o interesse cresceu de maneira muito grande. Então isso se reflete, imagino, na possibilidade de mais espectadores verem o filme. Se porventura o filme figurar na short list de 21 de dezembro, e se porventura, com a graça de Oxalá, estiver lá entre os indicados, então com certeza muita gente vai querer ver, e como a gente faz filmes para as pessoas verem, é maravilhoso.

Qual a diferença de filmar no Paraná e na Bahia? Foi a mesma equipe?

Foi exatamente a mesma equipe, só que a equipe do Deserto Particular foi bastante diversa. Teve gente de diversos estados brasileiros. O núcleo duro é a minha galera, que faz filmes comigo desde sempre, no Paraná, mas veio gente de Brasília, do Rio Grande do Sul, da Bahia, de Pernambuco, do Rio de Janeiro. Veio gente da Argélia (assistente de fotografia) e veio gente da França (fotógrafo). Nesse sentido foi um pouco mais difícil porque a equipe não estava entrosada, nem todo mundo me conhecia, nem todo mundo entendia meu jeito de trabalhar. Então ajustes foram sendo feitos à medida que o filme foi sendo feito. Foi a primeira vez que filmei na Bahia, em uma cidade pequena, que não tem estrutura de produção. Você não tem empresas especializadas em alimentação e transporte de cinema em Sobradinho ou Juazeiro. Mas a gente vai lidando com o que o mercado local pode oferecer e está tudo certo.

Você é um baiano radicado em Curitiba e fez um filme com um personagem que faz o caminho inverso, um curitibano que vai para o interior da Bahia. Como você se relaciona com o personagem?

Na verdade, fiz esse personagem viajar para a Bahia porque eu queria muito fazer esse movimento, sob o ponto de vista cinematográfico. Deserto Particular é a realização de um sonho meu que é filmar na minha terra. No argumento original, esse cara viajava para uma cidade muito pequena na fronteira do Brasil com o Paraguai, perto de Foz do Iguaçu. E aí eu pensei “por que vou filmar perto de Foz do Iguaçu? Não! Vou filmar em Sobradinho”. E aí fiz Daniel (personagem de Antonio Saboia) viajar para lá porque eu também queria fazer essa viagem cinematográfica. Nesse sentido, a trajetória desse personagem é o espelho inverso da minha. Eu viajei de lá para Curitiba, da Bahia para Curitiba, e permaneço em Curitiba até hoje. Daniel viaja de Curitiba para Sobradinho e não sabemos se ele está lá até hoje.

Quão paranaense você se sente?

Eu sou só baiano, mas eu devo muito ao Estado do Paraná. Eu tenho uma gratidão muito grande a Curitiba, onde eu escolhi viver, tenho uma filha curitibana. Gosto muito da cidade. O meu cinema é paranaense também, porque ele é feito no Paraná, com histórias desse lugar, personagens desse lugar, com financiamento, desse lugar. A produtora que produz meus filmes é do Paraná. O festival de cinema que eu criei, o Olhar de Cinema, é do Paraná. Mas eu sou baiano.

Imagem ilustrativa da imagem Aly Muritiba comenta indicação para concorrer ao Oscar
| Foto: Divulgação