''Eu procuro evitar o álcool'', declara um cambaleante, pálido e sombrio Paul Kemp, enquanto abre mais uma garrafa de rum. ''Quando eu posso'', completa, tomando um longo gole. O enlouquecido personagem, alter-ego do jornalista e escritor americano Hunter S. Thompson (1937-2005), é o nosso herói na jornada do filme ''Diário de um Jornalista Bêbado'' - que estreia esta semana na programação do Cine Lumiére, no Royal Plaza Shopping.
Interpretado com maestria por Johnny Depp, as desventuras de Kemp começam quando ele acorda, em uma ressaca infernal, dentro de um quarto de hotel em Porto Rico na década de 60. Como um falido jornalista americano, ele está lá para ocupar a indesejada vaga de repórter no periódico San Juan Star - não por coincidência, este é um emprego que ninguém quer: no meio de um cenário político perturbador, o editor é um neurótico (Richard Jenkins), o fotógrafo é um incompetente (Michael Rispoli), e o repórter criminal é um nazista morto-vivo (Giovanni Ribisi), que todos acreditam que teve ''toda a estrutura cerebral destruída pelo excesso de álcool''.
O que seria um inferno para qualquer ser humano normal é boa notícia para nosso incomum protagonista; no meio desses desajustados, Paul Kemp achou sua 'turma'.
Com todos os personagens afogados em um oceano de rum, o compasso da história segue como que em uma memória meio apagada pela bebida. Sempre moribundo, Kemp recebe a função de escrever um falso horóscopo sob o codinome de Madame La Zonga e de fazer matérias sobre campeonatos de boliche nos luxuosos hotéis, sempre lotados com turistas americanos. Nesse meio-tempo, Kemp começa a entrar em contato também com o grande contraste entre a extrema miséria e a beleza da ilha, e conhece o milionário Sanderson (Aaron Eckhart), que deseja destruir uma área ecologicamente preservada para construir um spa.
Dirigido de maneira um pouco displicente pelo cineasta Bruce Robinson, o efeito cativante do longa só permanece imbatível pela dedicação em que Depp incorpora seu personagem. O ator é um grande fã da obra de Thompson, e foi ele próprio que descobriu - enquanto praticava para as filmagens de outra adaptação do escritor, o ótimo ''Medo e Delírio'' (1998) - os pedaços de texto autobiográficos que depois seriam publicados com o nome original de ''Diários do Rum''.
Como uma experiência drogada, meio desconexa e sem sentido, não espere nada da história. Aqui, a experiência é o que conta. Assim, mesmo quando Kemp tem alucinações existencialistas com uma lagosta ou visita uma feiticeira Voodo com poderes sobrenaturais, podemos também perceber o quanto essa experiência (que, acredite, é baseada em fatos reais) influenciou a vida de Hunter Thompson: um ser humano cheio de vícios e que, ainda assim, tinha uma imbatível fibra moral, submersa em litros e litros de álcool.