Ao longo da carreira iniciada em 1959, Elza Soares gravou 34 álbuns. A celebrada discografia da artista ganhou várias reedições nos últimos anos. Porém, um disco de vinil gravado em 1979 nunca foi lançado em CD e, por isso, tornou-se um título raríssimo e desconhecido até mesmo pelos fãs mais ardorosos da intérprete carioca. Como parte das celebrações do aniversário de 90 anos da artista, comemorado no dia 23 de junho, a gravadora Sony Music acaba de disponibilizar nas plataformas de streaming o disco “Senhora da Terra”.

Ostentando o auge de sua maturidade vocal, a cantora abre o álbum entoando a sarcástica “Põe pimenta” (Beto Sem Braço/ Jorginho Saberás). Fazendo uma azeitada crítica social, a faixa na época ganhou até um hilariante clipe em televisão. Nele, a cantora aparecia fantasiada de cozinheiro munida de um imenso bigode cantando: “Põe pimenta, malagueta/ Põe pimenta que é pra ver se o povo aguenta!”.

Na sequência, Elza dá voz à canção “Coração vadio”, composta pelos baianos Edil Pacheco e Paulinho Diniz. Na faixa, a cantora deita e rola nos improvisos vocais guturais, que só ela foi capaz de fazer na história da música brasileira. A música “O morro”, raríssima parceria dos saudosos Mauro Duarte e Dona Ivone Lara, fala sobre as agruras da vida em meio à rotina violenta dos morros cariocas. Em “Exaltação ao Rio São Francisco” (Waltinho/ Zezé do Pandeiro/ João Leonel), o enredo já discorria sobre a polêmica transposição do nosso rio mais famoso, que atravessa o coração do país.

Imagem ilustrativa da imagem Álbum raro de Elza Soares chega às plataformas digitais
| Foto: Acervo pessoal de Elza Soares/ Divulgação

As raízes afro-religiosas aparecem no samba “Afoxé” (Heraldo Farias/ João Belém) contrastando com o mais dolente “Maria Pequena” (Guaracy de Castro/ Roberto Nepomuceno), sobre “a primeira porta estandarte da escola de samba” que deu à luz em meio a um desfile na avenida. Por sua vez, “Abertura”, bissexta autoria da cantora, é um samba que faz referência à abertura política naquele ano de 1979, quando o AI-5 finalmente havia caído e a anistia aos exilados políticos se concretizou.

“Alegria do povo” (Luís Luz/ Ari do Cavaco) é um samba animado homônimo ao que a cantora gravaria seis anos depois em tributo a seu ex-marido então falecido, Mané Garrincha. Este, entretanto, não tem nada de melancólico, é uma elegia ao próprio ritmo. Também autorreferente,“O carnaval” (Gerson Alves/ Valentim) já sinalizava as transformações nas estruturas dos desfiles das escolas e o quão era importante o samba como uma cultura negra de resistência.

O álbum é encerrado com composições de grandes baluartes da música brasileira. “Paródia do consumidor” traz a festejada dupla Wilson Moreira e Nei Lopes, que naquele mesmo ano de 1979 daria à Alcione o hit “Gostoso veneno”, e “Senhora liberdade” à Zezé Motta. E, por fim, “Barraquinho”, do craque dos carnavais e também do sambalanço, João Roberto Kelly.

A gravação do disco contou com a participação de grandes músicos de samba: Wilson das Neves e Juquinha (bateria), Dino 7 Cordas (violão), Neco (violão 6 cordas e cavaco), Jaime Araújo (flauta), Geraldo (tumbadora) e As Gatas no coro, além de vocal, solos de violão de 6 cordas do maestro Luiz Roberto, que assina os arranjos juntamente com o maestro Nelsinho. A percussão ficou a cargo de Cordinho, Luna, Eliseu, Marçal, Risadinha, grupo Pandeiros de Ouro e Zequinha.