Ao longo do tempo a poesia se distanciou de suas origens ancestrais. Também se distanciou, acompanhando o fluxo das urbanizações, da natureza e do mundo natural.

Nas últimas décadas, novas gerações de poetas começaram rever esse distanciamento. Começaram, através da linguagem, promover o fim da dicotomia entre natureza e cultura.

Entre os expoentes dessa abordagem está o poeta londrinense Vinícius Lima. Seu novo livro, “Sob a Sombra das Primeiras Árvores”, lançado pela editora curitibana Medusa, traz versos que redimensionam a simbiose entre homem e natureza. Versos como: “É preciso reaprender o idioma das larvas e dos rios que percorrem uma laranja.” Ou: “Tudo se liga a tudo corpos rascunhos beijos brejos bulbos teias e constelações de seres minúsculos.” Ou epigrafias como: “Qualquer migalha faz um homem fiel.”

Nascido em 1977 e doutor em Letras pela Universidade de Londrina, Vinícius Lima é autor de “Herbárium” (2013), “Planta de Pé” (2014), “Começa Aqui a Morada do Fogo” (Madrepérola, 2016) e “Animais Floridos” (Anome, 2016). A seguir fala de seu novo livro e de sua trajetória como agricultor ecológico de hortaliças na região de Guaravera.

Vinícius Lima: "Minha poesia veio caminhando em direção ao mundo natural conforme minha biografia foi se deslocando para o mundo rural"
Vinícius Lima: "Minha poesia veio caminhando em direção ao mundo natural conforme minha biografia foi se deslocando para o mundo rural" | Foto: Pierre Luc Lalonde/Divulgação

Em “Sob a Sombra das Primeiras Árvores” você reforça a devoção, já presente em seus livros anteriores, em criar uma poesia dedicada à natureza e ao mundo natural. Por que a escolha nesta direção?

Desde 2010 venho fazendo leituras e conduzindo meus passos para fora da trilha, buscando um lugar para fincar raízes e me reintegrar à natureza. Essas escolhas surgem primeiramente por enxergar na cidade um ambiente saturado e hostil. Outro ponto bastante relevante foi meu desencantamento com o meio acadêmico e com o universo literário. Após algumas leituras “perigosas” como o trabalho do japonês Masanobu Fukuoka e da agrônoma Ana Primavesi, somadas às leituras dos poetas Gary Snyder, Radovan Ivsic e dos anarquistas contemporâneos como Hakim Bey e David Graeber, optei por comprar uma terra e viver dela. Minha poesia foi naturalmente se desviando para esse mundo. Sigo escrevendo sobre os elementos naturais porque é o ambiente que escolhi para viver e por acreditar que o mundo humano só vai realmente fazer sentido quando este entender que também faz parte da natureza. Quando acabarmos de uma vez por todas com a dicotomia entre natureza e cultura e entendermos que nossa existência só é possível graças às outras espécies que habitam o planeta.

Você considera que a poesia se afastou de suas origens ancestrais? Que distanciou-se das forças naturais do planeta?

As artes, como anunciam alguns historiadores, nascem como uma resposta às forças da natureza. Como uma tentativa de capturar e compreender o mundo natural. Costumo dizer que as artes poéticas surgiram como um desdobramento da atividade de forrageamento. Os cantos de trabalho, a arte rupestre, os rituais xamânicos, todos eles nasceram como ferramentas para obtenção de alimento e abrigo. Portanto, a “poiesis” grega funcionava como uma arte de habitar um espaço. A poesia também sofreu um êxodo rural, urbanizando-se e se afastando da natureza. Mas a poesia contemporânea vem se reaproximando destas forças ancestrais e abrindo clareiras na selva de pedra literária. Temos muitos poetas que vêm discutindo nossa relação com o planeta e propondo uma leitura diferente de como nos relacionamos com o mundo natural.

Nos poemas de “Sob a Sombra das Primeiras Árvores” você não apresenta a natureza de maneira idílica ou bucólica, como um cenário de cartão postal. Os versos apresentam uma natureza repleta de transformações, morte, mutação, apodrecimento e renascimento. Por quê?

Simplesmente porque a natureza não pode ser enxergada como uma fotografia, e sim como um filme. Portanto, ela se encontra em perpétuo movimento de nascimento e morte. A paisagem não é um objeto estático, muito menos um filme da Disney, em que tudo é colorido e ameno. Há um aspecto que pouco aparece nos “escritos da natureza”, que é o mundo noturno, peçonhento e perigoso da natureza. A nossa tradição literária sempre buscou representar os elementos naturais com traços bucólicos como se fossem realmente cartões postais. Aliás, essa é a mitologia que marca o nosso mundo rural. Um local para visitar e descansar, e não um lugar de morar e trabalhar. Minha poesia se distancia dessa perspectiva e tenta representar a natureza em seu processo, em uma paisagem movente que está sempre se construindo e se refazendo.

Em “Sob a Sombra das Primeiras Árvores” há uma profusão de íntimas interações entre plantas, animais, elementos naturais e o homem. Seu trabalho, como poeta, está em perceber a poesia dessas interações ou converter as interações em poesia?

Entendo a natureza como uma uma reunião de vidas que mantém um complexo e contínuo processo de relações interespécies. No meu dia a dia, essas interações acontecem o tempo todo. Há uma dinâmica de perturbação contínua de todos os seres que buscam a todo o momento melhorar cada vez mais seu habitat. Os ruídos gerados por estas interações produzem, no meu ponto de vista, a poesia mais refinada. Meu trabalho consiste em me manter atento para estes movimentos e traduzir essa poesia natural para a linguagem humana.

Nos últimos anos você se refugiou no campo e passou a se dedicar à produção de alimento seguindo os princípios da Permacultura e da Agricultura Natural. Como tem sido essa experiência? Em que ponto ela tem influenciado sua produção poética?

Minha poesia veio caminhando em direção ao mundo natural conforme minha biografia foi se deslocando para o mundo rural. Minha opção pela agricultura se deu primeiramente como autossuficiência. Num segundo momento veio a necessidade de comercialização para eu me manter na área rural. A Permacultura e Agricultura Natural mudaram minha cosmovisão, ao me mostrar métodos e práticas ancestrais de produção de alimentos. Um pouco mais adiante tive contato com a agricultura sintrópica e tudo ficou mais claro pra mim. O trato com a terra me fez entender que todos os seres que habitam o planeta estão sempre empenhados em produzir abundância e biodiversidade. Neste ponto, meu modo de enxergar o mundo e escrever mudou completamente, permitindo que pudesse me reinserir nesta teia de multiespécies e trabalhar sempre em direção da vida.

Imagem ilustrativa da imagem Adepto da agricultura ecológica, Vinícius Lima lança livro de poemas  que acompanham o mundo natural

Serviço:

“Sob a Sombra das Primeiras Árvores”

Autor – Vinícius Lima

Editora – Medusa

Páginas – 120

Quanto – R$ 35

Onde encontrar – Site da editora (www.editoramedusa.com.br) ou diretamente com o autor pelo e-mail: [email protected]

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