Quando foi lançado nos cinemas em 2015, o filme “No Coração do Mar” passou despercebido por boa parte do público. Apresentado como um filme épico de produção milionária, amargou fracasso de bilheteria. Mas quando ficou disponível na Netflix no último sábado (1), se tornou o filme da plataforma mais assistido no Brasil.

Obra do cineasta Ron Howard, apresenta a história do episódio ocorrido entre 1819 e 1820 que deu origem a muitos relatos folhetinescos no século 19. A história de um barco de caçadores de baleia que sofre o ataque de uma gigantesca e enfurecida baleia branca e naufragam no meio do oceano Pacífico. Um episódio real que serviu de base para o escritor norte-americano Herman Melville (1819 – 1891) criar o clássico “Moby Dick”, publicado originalmente em 1951 em forma de folhetim.

Por trás do filme de Ron Howard não está exatamente o romance ficcional “Moby Dick” de Herman Melville, mas a obra de reconstituição histórica “No Coração do Mar” do escritor Nathaniel Philbrick publicada pela editora Companhia das Letras.

Nathaniel Philbrick escreveu “No Coração do Mar” fazendo um resgate histórico da matança das baleias
Nathaniel Philbrick escreveu “No Coração do Mar” fazendo um resgate histórico da matança das baleias | Foto: Divulgação

Em “No Coração do Mar”, Nathaniel Philbrick narra toda a trajetória do navio baleeiro Essex que parte do porto de Nantucket, desce todo o oceano Atlântico, contorna a América do Sul e segue pelo Pacífico. Um tipo de viagem que demora dois anos ou três anos. Os navios só retornavam ao ponto de origem quanto estivessem com os porões abarrotados de óleo de baleia.

A obra reconstitui a jornada do Essex e de sua tripulação, detalha as técnicas de navegação a vela, o ataque sofrido pela baleia e, por fim, a dolorosa jornada dos náufragos que culmina em canibalismo. E vai além, apresenta as técnicas da caça de baleia e a rentável cadeia econômica óleo de baleia.

Na época, século 19, o óleo de baleia representava economicamente o que o petróleo representou no século 20. Centenas de navios percorriam os oceanos matando baleias, especialmente a espécie cachalote que possuía maior volume de gordura. A gordura era retirada e todo o resto do corpo do mamífero era abandonado para apodrecer no mar.

Os grandes responsáveis pelo domínio da indústria do óleo de baleia eram Quakers – membros de um movimento religioso cristão que habitavam Nantucket, ilha da costa leste dos Estados Unidos. Os Quakers defendiam uma sociedade pacifista e igualitária, sem discriminação de sexo ou cor. Praticavam uma vida austera, sem ostentação material. Eram totalmente contra a escravidão dos negros. Paradoxalmente foram os mais empreendedores, determinados e eficientes matadores de baleias do século 19.

Transformar uma baleia em barris de óleo em alto mar não era tarefa fácil. Os marinheiros tinham a missão de arpoar a baleia a poucos metros de distância em pequenos barcos a remo. Após arpoá-las, tinham que matá-la na porrada. Em seguida era necessário arrastar o corpo do mamífero até próximo do navio, onde as camadas de gordura eram fatiadas e transportadas ao convés. Depois a gordura era derretida em gigantescos tachos e armazenada em barris. Um trabalho selvagem, pesado e perigoso realizado por homens que tinham entre 14 e 24 anos. Mesmo assim, a eficiência dos caçadores de baleia do século 19 foi tão empreendedora que quase culminou na extinção dos cachalotes.

Quando estava no meio do Pacífico, o navio Essex foi abatido por uma baleia raivosa que se rebela contra a matança. O animal literalmente afunda o navio através de cabeçadas e faz com que toda a tripulação se abrigue em pequenos barcos onde permanece a deriva ao longo de três meses sem água nem comida. Para sobreviver, precisam fazer de tudo, até comerem uns aos outros num constrangedor canibalismo.

O relato histórico de Nathaniel Philbrick, baseado em documentos da época e diários dos sobreviventes, não fica restrito aos episódios em si, mas resgata também a história dos sobreviventes que tiveram a vida transformada pelos acontecimentos. Não apenas pelo trauma psicológico, mas também pela segregação social que sofreram por terem sobrevivido se alimentando dos companheiros mais fracos.

Na construção ficcional de Melville, a figura da grande baleia branca assume contornos humanos em nome de vingança. Na reconstituição dos acontecimentos através de relatos reais, Philbrick chega a uma conclusão parecida: “O relato feito dos piores pesadelos de um baleeiro: estar em um bote, distante da terra, sem nada para comer ou beber e – talvez, o pior de tudo – à mercê de uma baleia com a astúcia e o espírito vingativo de um ser humano.”

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. | Foto: Reprodução

Serviço:

“No Coração do Mar”

Autor – Nathaniel Philbrick

Editora – Companhia das Letras

Tradução – Rubens Figueiredo

Páginas – 374

Quanto – R$ 67,90 e R$ 41,50 (e-book)

Assista ao trailer do filme "No Coração do Mar"