Imagem ilustrativa da imagem A vida inscrita no corpo
| Foto: Bob Souza/ Divulgação
‘Luis Antonio – Gabriela’: espetáculo premiado, dirigido por Nelson Baskerville, coloca em evidência uma história real e abre a discussão sobre preconceito, intolerância e aceitação da questão de gênero



Memórias, traumas, alegrias, rancor, amor e morte: temas tão presentes e recorrentes nas relações humanas, mas, ao mesmo tempo, relegados a simples existência. Para dar voz a alguns desses sentimentos, a vida real - e todas suas conquistas e fragilidades – é colocada em cena em dois espetáculos que fazem parte da programação do 15º Festival de Dança de Londrina. "Luis Antonio – Gabriela" (Cia Mungunzá de Teatro) e "Le Cargo" (Faustin Linyekula) trazem à tona a biografia dos protagonistas dos enredos, com temas tocantes e necessários da atualidade que são abordados com movimentos da dança e, também, do teatro, já que o festival passeia por diversas linguagens. A programação segue até o dia 15 de outubro e pode ser conferida no site www.festivaldedancadelondrina.art.br. O evento tem apoio do Grupo Folha de Comunicação.

Em "Luis Antonio – Gabriela", que será apresentado nesta quinta-feira (12), às 20h30, no Teatro Ouro Verde, o diretor Nelson Baskerville, de São Paulo, coloca em evidência a própria história e abre uma discussão sobre preconceito, intolerância e aceitação da questão de gênero. A montagem teatral, classificada como "documentário cênico", conta a vida de seu irmão mais velho, Luis Antonio que, nos anos 1960, desafia as regras da família conservadora por conta de sua homossexualidade. A peça mostra a vida desde o seu nascimento, passando pela infância e juventude até os 30 anos, quando ele, rejeitado pela sociedade, decide ir embora para a Espanha e os laços são desfeitos. Os atores aprenderam a tocar instrumentos para a execução da trilha sonora original composta por Gustavo Sarzi.

Faustin Linyekula em ‘Le Cargo’: bailarino da República Democrática do Congo escolheu a dança para abordar suas memórias
Faustin Linyekula em ‘Le Cargo’: bailarino da República Democrática do Congo escolheu a dança para abordar suas memórias | Foto: Agathe Poupeney/ Divulgação



A história
Construído com base em documentos e depoimentos da família e dos amigos do protagonista, o espetáculo é um resumo da vida de Luis Antonio. Narra, portanto, sua história até o ano de 2006, data de sua morte em Bilbao, onde vivera, até então, como Gabriela. Fato, este, que desconheciam devido ao distanciamento. "Em 2002, recebi uma ligação de minha segunda mãe, Doracy, dizendo que Luis Antonio havia morrido na Espanha. Para mim, era aquele irmão, 8 anos mais velho, que sempre mantive na sombra. Ele era aquele que, além de me seduzir e abusar sexualmente, fazia com que muitos dedos da cidade de Santos fossem apontados pra nós, os ‘irmãos da bicha’, ‘a família do pederasta’. Sou obrigado a confessar que a notícia da morte dele não me abalou nem um pouco", conta o diretor.

Após a ligação, uma das irmãs foi atrás de papéis, atestado de óbito, documentação para o espólio, e acabou descobrindo que Luis Antonio estava vivo, morava em Bilbao. A partir disso, a família começou a tentar formatar e entender aquela lacuna de 30 anos que os separavam dele. Luis Antonio chamava-se agora Gabriela, tinha sido uma estrela das noites de Bilbao, era viciada em cocaína e era portadora do vírus da Aids, dentre outras doenças. "As perguntas mais frequentes dos amigos ao saberem da história eram: mas vocês nunca mais se viram? Resposta: Nunca. Por que não o trouxeram de volta ao Brasil quando o encontraram doente? Resposta: Porque não. Você não foi nem ao enterro? Não. Fiz esse espetáculo", conclui Baskerville.

Corpo e memória
Em "Le Cargo", que será apresentado neste sábado (14), às 21 horas, no Teatro Ouro Verde, o dançarino e diretor Faustin Linyekula, da República Democrática do Congo (ex-Zaire, ex-Congo Belga), escolheu a dança e os movimentos do corpo para "falar" de suas memórias. O bailarino, que sempre entendeu a dança como momento de partilha, um momento de sair da solidão, neste espetáculo, seu primeiro solo, sentiu necessidade de se recolher. "Voltei para as minhas primeiras memórias, voltei para Obilo, uma pequena aldeia a 80 km de Kisangani, onde nasci. O que resta da casa do meu pai? Depois de todos esses anos de guerra, as pessoas ainda dançam, ao cair a noite, as danças que, quando criança, foram proibidas para mim?" Nos últimos dez anos, o coreógrafo congolês tem se dedicado à dança contemporânea e a contar sobre o legado de terror e pobreza deixado pelas guerras em seu país.

Serviço:
Luis Antonio - Gabriela – Cia Mungunzá de Teatro e Nelson Baskerville (São Paulo/SP)
Quando: Quinta-feira (12), às 20h30
Onde: Teatro Ouro Verde (rua Maranhão, 85)
Quanto: R$ 10 e R$ 5

Le Cargo – Faustin Linyekula (Studios Kabako) (República Democrática do Congo)
Quando: Sábado (14), às 21h
Onde: Teatro Ouro Verde (rua Maranhão, 85)
Quanto: R$ 10 e R$ 5

*Convites à venda na Secretaria da Funcart, Loja Shop Ballet, Teatro Ouro Verde e uma hora antes no local das apresentações
Mais informações: www.festivaldedancadelondrina.art.br