“Um Homem Fiel”, produção francesa em exibição em Londrina, é o segundo filme dirigido pelo ator Louis Garrel, também protagonista. A história agarra o espectador logo de saída. Certa manhã, Abel (o próprio Garrel) está quase saindo de casa quando sua companheira Marianne (Laetitia Casta, mulher de Garrel, mas sem nepotismo: ela é boa atriz mesmo) se despede dele com uma confissão insólita. Vai deixá-lo a partir daquele momento para se casar com o melhor amigo comum de ambos, Paul, de quem está grávida. O momento causa surpresa, embora mais surpreendente seja a naturalidade do casal.

'Um Homem Fiel':  filme retrata a vida dos personagens através de pinceladas diárias, com as quais qualquer espectador pode se identificar
'Um Homem Fiel': filme retrata a vida dos personagens através de pinceladas diárias, com as quais qualquer espectador pode se identificar | Foto: Divulgação

A ação avança com pensamentos em off dos protagonistas. E vai se conectando com a prolifica tradição francesa da comédia romântico-dramática em torno de relações sentimentais que vêm e vão. A intriga é inevitável. O que pode vir a seguir ? Surpresas, reviravoltas no roteiro. Um roteiro que aborda o eterno dilema do amor e do desejo com aquela simplicidade, agilidade e frescor típicos do cinema de François Truffaut e Éric Rohmer, ou seja, daquela Nouvelle Vague que renovou o cinema francês dos anos 1950 e 60. Depois de alguns anos, Abel reencontra a agora viúva Marianne com um filho pré adolescente, e voltam a viver juntos. Mas um terceiro elemento entra em cena, Eva (Lily-Rose Depp), irmã caçula do finado Paul, agora uma mulher que sempre foi apaixonada por Abel.

O diretor Garrel vai retratando a vida dos personagens através de pinceladas diárias, com as quais qualquer espectador pode se identificar. Caminhadas urbanas, conversas em restaurantes, a entrega do filho na escola, encontros fortuitos na rua, episódios no trabalho ou conversas na cama antes de dormir. Tudo reforçado por música e arrematado com cortes em fade negro. Aos 35 anos, Garrel aprendeu bem a lição.

Com metragem que não chega a hora e meia, e a sempre competente colaboração do mestre roteirista Jean-Claude Carrière, Garrel entrega uma deliciosa e irônica história de amor triangular que fala com delicadeza de certas questões mais profundas, como a natureza ilusória do desejo, as estratégias femininas para garantir a fidelidade do casal, uma certa postura consensual de alguns homens e o maquiavelismo inocente das crianças. Há ainda uma leve e divertida trama de suspense que introduz Philip, o bebê da Marianne grávida do início do filme e que reaparece como um jovem com imaginação fértil, alimentada por temas policiais.

Contado assim (separação, morte, orfandade, amor impossível), “Um Homem Fiel” parece drama, mas na verdade é uma magnífica e cintilantes comédia, iluminada (ou bem assombrada, se preferirem ) pelo melhor Truffaut. Tão lúdica quanto severa, maleável e preciosa.