No último dia 13 de junho, a literatura norte-americana perdeu um de seus grandes expoentes, o escritor Cormac McCarthy. Aos 89 anos de idade, McCarthy faleceu no rancho de cavalos em que residiu nas últimas três décadas de vida.

No ano passado, após 15 anos sem publicar um único livro, McCarthy lançou sua última obra dividida em dois volumes, “O Passageiro” e “Stella Maris”. Publicados recentemente no Brasil pela editora Alfaguara, os livros parecem simbolizar as duas faces de uma mesma moeda onde a irmandade aparece na forma de um amor impossível.

São dois volumes quase estranhos, com uma história nebulosa falando de coisas igualmente nebulosas. Dois livros completamente diferentes e independentes, mas que se completam de maneira pouco usual flutuando em um mar de associações. Narram a trajetória de dois irmãos, Bobby e Alicia, filhos de um dos cientistas que participou da fabricação das bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos sobre Hiroshima e Nagasaki no final da Segunda Guerra Mundial.

“O Passageiro” narra a história de Bobby, que ganha a vida como mergulhador. Tudo começa quando ele participa do resgate de um avião que caiu no mar, um acidente que não deixou nenhum tripulante vivo. Após concluir o trabalho, recebe a visita de autoridades afirmando que falta um dos corpos resgatados e de um objeto que o avião transportava. Sem entender o sentido dos acontecimentos, Bobby começa a fugir de uma nebulosa teoria da conspiração. A morte pela morte da irmã, vive como um exilado de si mesmo.

STELLA MARIS

“Stella Maris” narra a história de sua irmã, Alicia, gênio precoce da matemática que precisa passar temporadas regulares em um hospital psiquiátrico chamado Stella Maris (do latim, “estrela do mar”). Tudo começa quando a jovem aparece na porta do hospital com um saco cheio de dinheiro pedindo para ser internada. Seu objetivo é entender as vozes que ouve e os seres estranhos que enxerga e mais ninguém consegue ver ou ouvir. O livro é totalmente constituído pelos diálogos entre Alicia e seu psiquiatra durante as de sessões de tratamento.

Bobby e Alicia carregam pela vida dois fantasmas. O primeiro fantasma estaria no fato de serem filhos de um homem que participou ativamente, através da ciência, na construção de um artefato que matou milhares de pessoas. O segundo fantasma estaria no fato dos dois sentirem um tipo de amor que não pode ser vivenciado, um amor tabu.

“Stella Maris” se revela o mais interessante dos dois volumes. Impossível o leitor sair ileso. Alicia apresenta suas visões e dramas psíquicos com a mesma racionalidade com que discute sobre as grandes questões da matemática contemporânea. Uma ciência que pode chegar a um estado tão elaborado de abstração que talvez não precise mais do ser humano para entendê-la. Muito menos para formulá-la.

Além de ver seres estranhos que ninguém enxerga, Alicia declara ao psiquiatra coisas como: “Seu mundo se sustenta numa coletividade de concordâncias. Esperamos que a verdade do mundo de algum modo resida na experiência comum que temos dele. Inovação e descoberta por definição vivem em luta contra o entendimento comum.” Ou coisas como: “Acho que nossa experiência do mundo é sobretudo uma questão de nos

protegermos da verdade desagradável de o mundo não saber que estamos aqui. Acho que a visão mais espiritual busca a graça do anonimato. Ser celebrado significa preparar terreno para a dor e o desespero.”

Os dois volumes diferem muito da literatura consagrada de McCarthy através da chamada “Trilogia da Fronteira”, formada pelos romances “Todos os Belos Cavalos”, “A Travessia” e “Cidades de Planície”. Romances onde a narrativa do autor está fundamentada na literatura de grandes espaços naturais. Planícies, montanhas, rios, animais e plantas. E principalmente intempéries e situações imprevisíveis. O homem fazendo parte da natureza selvagem como seu meio ambiente cultural.

Um dos grandes nomes da literatura norte-americana contemporânea, Comarc McCarthy (1933 - 2023) ganhou popularidade através das adaptações de seus romances para o cinema. A mais famosa trata-se de “Onde os Velhos Não Têm Vez” (que no Brasil recebeu o título de “Onde os Fracos Não Têm Vez”), filme dos irmãos Joel e Ethan Coen de 2007 que ganhou as principais estatuetas do Oscar – melhor filme, melhor direção e melhor roteiro adaptado. Em 2010 o diretor John Hillcoat levou para as telas a adaptação de “A Estrada”, romance apocalíptico de McCarthy publicado em 2006.

SERVIÇO:

Imagem ilustrativa da imagem A última obra de Cormac McCarthy
| Foto: Reprodução

“O Passageiro”

Autor – Cormac McCarthy

Editora – Alfaguara

Tradução – Jorio Dauster

Páginas – 394

Quanto – R$ 84,90 (papel) e R$ 39,90 (e-book)

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Imagem ilustrativa da imagem A última obra de Cormac McCarthy
| Foto: Reprodução

“Stella Maris”

Autor – Cormac McCarthy

Editora – Alfaguara

Tradução – Cássio de Arantes Leite

Páginas – 184

Quanto – R$ 59,90 (papel) e R$ 29,90 (e-book)